FONTE:
Donald
Ramos, Do Minho a Minas Ensaio, Revista do
Arquivo Público Mineiro, Junho 2008
Este estudo
tem como propósito explorar um contexto histórico específico por meio do exame dos
antecedentes portugueses do tipo de família que se desenvolveu em Minas Gerais,
região central da exploração do ouro no Brasil, durante o século XVIII.
Ele também
está fundamentado em três questões centrais: (1) a família portuguesa não era
uniforme, sendo marcada por variações regionais distintas; (2) os imigrantes
que vieram para Minas Gerais eram oriundos, principalmente, do norte de
Portugal, uma região socialmente distinta; e (3) a natureza e estrutura da
família do norte de Portugal eram bastante similares às encontradas em Minas
Gerais durante o século XVIII e início de século XIX. O trabalho sugere ainda que
tais similaridades podem ser explicadas por meio da predominância da imigração
norte-portuguesa para a região aurífera de Minas Gerais, a qual tinha, num sentido
amplo, características econômicas semelhantes às do norte de Portugal. […]
É
extraordinariamente difícil obter informações relativas à imigração de
Portugal. Embora o sistema de passaporte
tivesse sido instituído em Portugal em 1720, num esforço para restringir o
número de nacionais que viajavam ao Brasil, fica claro que essa e outras regras
restritivas foram largamente desobedecidas, uma vez que milhares de portugueses
chegaram aos portos do Brasil em busca de fortuna. Não obstante, é possível se ter uma idéia da natureza dessa imigração a
partir de amostragens de registros paroquiais e notariais para determinar quem
chegou. Obviamente, essa é uma maneira inadequada de se contar o número de
pessoas que saiu de Portugal, mas é um método que permite localizar as regiões
de onde se partiu.
Para se
obter uma amostra qualitativa dos padrões migratórios, as seguintes fontes
foram pesquisadas:registros
paroquiais de casamentos e testamentos, e processos da Inquisição. Apesar da
diversidade, todas as três fontes levaram a conclusões bastante similares – o
que empresta credibilidade às conclusões. […]
Essas fontes
vêm corroborar a crença, comum no próprio século XVIII, de que o norte era a
fonte de emigrantes para as regiões mineradoras do Brasil. A lei portuguesa de
20 de março de 1720, que em vão obrigou o uso do passaporte, especialmente no
Minho, mencionou: “[anteriormente] tendo sido o mais povoado, hoje é um estado
no qual não há pessoas suficientes para cultivar a terra ou prover para os
habitantes.” A
notícia das minas de ouro brasileiras
atraíu tantos milhares de homens do norte que tornou a emigração, antes de tudo,
uma válvula de escape, uma ameaça temporária à economia das regiões de origem.
A migração
parece ser um aspecto comum da vida no século XVIII, tanto em Portugal como na
sua colônia brasileira. O exemplo de João Teixeira, preso em 1765 por bigamia,
é típico:
Ele nunca saíra dos domínios de Portugal e nele havia vivido
em Porto Formoso, sua terra natal, e na cidade de Ponta Delgada, na ilha de São
Miguel, de onde ele veio para esta cidade de Lisboa, onde viveu por três anos,
daqui embarcando para Pernambuco, capitania na qual residiu na cidade de Olinda
e nas cidades de Santo Antonio de Olinda, Jaguaripe, Rio Fermozo, Agoa Petuda,
e Goyana, e passando por muitas outras terras.
Em outro
exemplo, João Rodrigues Mesquita, que recebeu sentença de prisão por praticar o
judaísmo,
nasceu em
Vinhais. A linguagem usada para descrever os lugares onde residiu indica a
ligação ininterrupta de imigrantes, muito viajados, com sua terra natal.
Mesquita
registrou que “sempre” havia morado em Vinhais – exceto por 12 anos e meio em
que viveuem Viana do
Castelo e, de passagem, em Braga e em “alguns outros locais na província do
Minho”. Ele, casualmente, relatou que no
Brasil residira em Vila Rica, Guarapiranga e Tejuco, onde a família foi presa.
O que impressiona sobre Mesquita é que ele fez tudo isso antes dos 34 anos,
idade em que foi preso. Ou seja, ele passou mais de um terço de sua vida fora
de seu local de nascimento, mas em sua mente “sempre” residira lá. Mesquita,
como é possível perceber, estava longe de ser um caso isolado.
Ao
contrário, é extremamente difícil encontrar nesses registros uma pessoa que não
tenha vivido fora de seu local de origem.
Essa
mobilidade espacial não era restrita aos portugueses. Os perseguidos pela
Inquisição, nascidos no Brasil, demonstraram a mesma tendência à mobilidade. […]
O que surpreende o leitor desses relatos é o fato de os
residentes de Portugal e suas colônias, no século XVIII, encararem a viagem
como algo natural. […]
Esse
contínuo e complexo padrão de imigração e migração interna é relevante para a
questão da formação da família e para a configuração social do casamento.
A contínua
emigração de Portugal, especialmente do norte, teve o efeito de impor, e, ao
mesmo tempo,reforçar um
conjunto de valores específicos sobre o ethos social de Minas Gerais. Esse
mecanismo funcionou de forma semelhante à contribuição cultural que os escravos
africanos trouxeram ao Brasil, especialmente em cidades como Salvador. […]
Contemplada
como um todo, a sociedade mineira surge com o mesmo conjunto de características
sociais do norte de Portugal. Esse universo engloba predominância demográfica
de mulheres livres, uma grande proporção de famílias chefiadas por mulheres,
baixas taxas de casamento, idade ao se casar mais tardia que o esperado, uma tendência entre as mulheres solteiras de
estabelecerem em domicílios independentes, altas taxas de ilegitimidade e abandono
infantil e baixas proporções de famílias nucleares sacramentadas pelo
matrimônio. Os mesmos indicadores também são encontrados no Minho e no Douro.
O argumento
central deste estudo é de que os emigrantes portugueses que vieram para Minas
Gerais eram, em sua maioria, originários do norte de Portugal, onde a estrutura
familiar e domiciliar diferia das outras partes do reino.
Esses
emigrantes trouxeram para Minas Gerais um conjunto particular de valores sociais e culturais que,
no ambiente social e cultural mineiro, apesar das diferenças superficiais, era
muito semelhante ao que haviam deixado para trás.
Publicado em: Emigração
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