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20 de março de 2021

20 de março de 2021 por Maria do Céu Barros comentários

Por Isabel Frescata Montargil

Estávamos em pouco mais de meados do mês de Fevereiro. Ano de 1689 de Nosso Senhor.
O dia da Senhora das Candeias, dia 2 de Fevereiro, dia de previsão meteorológica das mais seguras (e desconcertantes) desde muitos séculos antes, já tinha passado.
Não havia quem dos campos fizesse o seu ganha-pão que não o soubesse …
“Se a Senhora das Candeias vem a chorar está o Inverno para acabar, se vem a rir está o Inverno para vir”…
Decerto teria chorado mais uma vez a Senhora das Candeias. Talvez pelas intempéries… Não é seguro que assim fosse, contudo.
Merecedor de dó, o pobre guardião do minúsculo templo …. Entre vinhas e olivais.
Que continuariam por muitos anos a encher os cálices das Eucaristias e as candeias da Senhora. Com uma mó bem por perto …
Pobre Ermitão, solitário, a meio caminho entre a vila de Palmela e a Aldeia. Aldeia mais tarde da Quinta do Anjo.
Uma estrada de pouco mais do que pé posto do lado direito, seguindo para Coina, era apropriada para peregrinos que pretendiam atalhar caminhos.
Pobre ermitão da famosa ermida de São Brás. São Brás, o protector de gargantas com moléstia…Cuja celebração era no dia a seguir à Senhora das Candeias, a 3 de Fevereiro.
Se sete bispos ali tinham estado para benzerem a ermida, tinha sido decerto há muito.
De tal não se recordava o ermitão…
Por tempos d’el Rei D. Dinis, ao que diziam ….
Rei D. Dinis, aquele que “fez tudo quanto quis”, assim dizia o povo. E voz do povo é voz de Deus, asseguram …
O mesmo Deus, senhor dos católicos e com vasta corte de santos, por mor de quem tinha sido a Ermida construída.
Preso por grossa cadeia a uma mó em “África, terra de infiéis” estava o mui ilustre e desconhecido Conde Alberto. Triste sina a sua, aviltado como fora por terras da mourama …
Não se conformava a família ….
Depois de sua filha e mulher terem pedido a intercessão divina através de Santa Susana, com tal convicção o fizeram, que repentinamente se encontraram o dito Conde e a mó carcereira naquele ermo. A um quarto de légua da vila de Palmela onde residiria. Terra da Ordem de Santiago …
Santiago, o Matamouros , obviamente …
Com facilidade em terras da sua terra natal se terá o aristocrático cativo visto livre da prisão.
Propagou-se a fama do prodígio e na ermida erguiam-se os altares . De Santa Susana, com o respectivo quadro.
São Brás (decerto não inocente nesta fuga) merecia lugar de relevo, com rica imagem dourada “com sua mitra e bago muito rico”
Tê-la-á oferecido a Infanta D. Isabel, Duquesa de Coimbra e esposa do malogrado Infante das Sete Partidas.
Um quadro com Santa Luzia num altar colateral fazia-lhes companhia, bem como outro com Nossa Senhora da Graça.
Segundo a tradição, não era raro esta última imagem inclinar a cabeça, numa manifestação do muito agrado que tinha pela libertação do Conde Alberto. Santa Barbara e Santa Apolónia também faziam sentir as suas presenças por imagens de madeira.
O altar principal sobressaía, revestido a azulejos.
Era a ermida tão minúscula que não pequeno milagre era apesar de tudo o seu recheio caber no diminuto quadrado que de início a constituía. Apesar de ter sido prolongada com paredes de alvenaria, continuava a ser de dimensões modestas.
E ainda lá se encontrava a mó vinda também miraculosamente de terras do Norte de África, juntamente com o Conde Alberto. Mó também ela prodigiosa. Bastava enfiar a cabeça no buraco, e dor de cabeça que existisse, era dor que desaparecia …
Muito melhor que as modernas aspirinas!
Tudo bem guardado, com portas de castanho fortes, fechadas a ferrolho. Tinham sido novas na época da Visitação de 1534. O Sr. Visitador até escrevera tudo isso nos Livros de Visitações da Ordem de Santiago.
Mas fora há tanto tempo …
Também é certo que ninguém se atreveria a tentar a entrada …
Havia cuidado com o ferrolho e a fresta que dava claridade à ermida era tão estreita! Posta do lado sul, deixava entrar boa luz, mas nem o luxo de uma vidraça ou sequer de um encerado existiam …
Anexo à ermida encontrava-se o também diminuto Hospital de São Brás e Santa Susana para acolhimento de “peregrinos e viajantes, mendigos, doentes e moribundos”. Apenas de cerca de 12 metros por 7.
Pouco dotado contudo para a recuperação dos que tinham a infelicidade de aí tombarem doentes na sua viagem. Fosse esta pela fé, por vagabundagem ou apenas má sorte.
Na esmagadora maioria esperava-os apenas a viagem derradeira. A que todos fazem …
A cobertura desse hospital era de telha vã. Oferecida por gentes da freguesia da Anunciada, de Setúbal. Da confraria. Sempre tinham sido devotos da ermida. E mais tinham oferecido, escrevia o Sr. Visitador no já longínquo ano de 1534.
Se tinham então ficado as velhas vigas da ermida, também em madeira de castanho, era porque estavam sãs. Foram pintadas de novo. Nada se poderia desaproveitar …
Quanto ao pequeno hospital, tinha sido feito de novo, de pedra e cal e do tamanho do anterior … Era muito antigo, pois.
Tudo bem ladrilhado, oferta dos de Setúbal … ermida, hospital, em tijolo tosco, que era sítio de devoção e não de luxo.
A maioria dos benfeitores, gente de Troino, principalmente pescadores da freguesia da Anunciada de Setúbal, também não era gente abonada. De fé, sim. Temente a Deus e temerosa da pirataria moura que fazia as suas incursões na orla de Setúbal.
Se lhes sucedesse o mesmo que ao Conde Alberto? Bem poderiam mulheres e filhos enfiar a cabeça no buraco da mó… que esta não se compadeceria.
Faltar-lhes-ia o pão …O de cada dia!
Mas os sucessivos ermitões, na sua guarda da ermida, tinham motivo para estarem felizes. Nem todos se poderiam ufanar das suas casas serem de alvenaria…
Em frente a Serra, a do Louro, era fonte de paixões de quem de perto a conhecia.
Assim se iria passar mais tarde com o Sr. Padre que narraria ao Sr. Marquês de Pombal do sítio e das suas maravilhas nas “Memórias Paroquiais”. Falaria da ermida e das plantas mágicas que cresciam na Serra …
Conhecia algumas a autora destas linhas. Pela juventude lá ia, a pedido da Avó, moradora na encosta, muito perto da ermida morta. Em quinta com o nome da ermida …
Ia buscar temperos, que eram muito diferentes as plantas acabadas de colher …
Uns orégãos, o louro, pouco mais. As pequenas orquídeas de cetim roxo e orla aveludada, rasteirinhas à greda do solo, distraíam-na. Não atraíam apenas descuidadas vespas e abelhas. Levadas ao engano, convictas que se trataria de amorosos parceiros da sua espécie…
Talvez por ali tivessem andado mulheres da sua família. De gerações que em muito a antecederam. Por tempos em que a ermida e o seu hospital ainda existiam.
Depois tudo ficara reduzido a uns restos esburacados de uma parede …
Todos desconheciam o que fora.
E ali, na ermida, até tinha casado a Ana, a filha mais velha do seu ancestral avô Veríssimo José. O que casara na Atalaia e nascera nas margens do Tejo, em Sacavém. Poucos anos antes do terramoto. Cujo avô vivera em terras do Marquês do Alegrete, por Monte Redondo…
Outros contos, também eles perdidos …
Era, pois, a Ermida de São Brás local eleito não apenas para luto e lágrimas, mas também para risos e festejos de casórios.
….
Como acontecia naquele dia 20 de Fevereiro de 1689, com o Sr. Ermitão.
Com autorização do Reverendo Vigário de Setúbal, Francisco Gonçalves, o Ermitão de São Brás iria casar-se com Maria da Conceição.
Dia de festa, claro!
Apenas uma pequena nota à nota constante da margem do seu assento de casamento: chamam-nos a atenção e a desconfiança as palavras aí escritas.
Desconfiança de desconfianças do Sr. Pároco…
Asseste-se o olhar, apure-se a vista e descobrir-se-á o porquê: imediatamente a seguir ao nome do nubente, existe um aposto (ou continuado – e que “continuação”!). No qual se encontra escrito :
- “viúvo de quatro mulheres”. QUATRO!!
Será que as tão apreciadas ervas “mágicas” da Serra teriam outros efeitos que não os da cura … (??!)
Ter-se-ia equivocado o Sr. Pároco das “Memórias Paroquiais”?
Que diria o Sr. Marquês de Pombal, se de tal soubesse?
Para mais era o Marquês frequentador da zona da Arrábida. Não muitos quilómetros adiante, existiria uma quinta (a de São Payo), por ele oferecida à sua filha mais velha …
Mas tal iria acontecer muito depois, décadas após o quinto casamento de Francisco Gonçalves.
……
Vai um chàzinho com o Sr. Ermitão de São Brás?
(Março de 2021)




BIBLIOGRAFIA :
- “As Igrejas da Ordem Militar de Santiago. Arquitectura e Materiais”. Tese de Doutoramento em História da Arte Portuguesa (Mário Raul de Sousa Cunha)
- “Memórias Paroquiais”. Palmela.

7 de junho de 2020

7 de junho de 2020 por Maria do Céu Barros comentários

Por Ana Pires

Esta senhora de olhar sério, mas doce, nasceu a 28 de Outubro de 1807 e morreu a 11 de Abril de 1868. Do seu segundo casamento (12 de Dezembro de 1849) nasceu a minha bisavó Maria Libânia a 14 de Março de 1852, tinha minha trisavó 44 anos!


Dela conheço unicamente duas histórias qual delas a mais interessante e que não resisto a partilhar convosco.

No Outono de 1810 as tropas de Massena, logo depois da derrota do Buçaco, continuaram em direcção a Lisboa. O alvoroço e o medo que causaram varreu o centro de país como uma onda de destruição e abandono. As pessoas pegavam no que tinham de mais precioso, nalguma comida, e iam-se esconder em pedreiras, em grutas e furnas, nos vales mais distantes das grandes rotas propícias ao avanço do exército francês, enfim para qualquer lado onde se sentissem mais seguras.

Foi assim que na precipitação da fuga, em Paínho (Figueiros - Cadaval) a minha trisavó, então com 3 anos, foi deixada para trás. Quando a família se deu conta era impossível retroceder e a menina ficou entregue à sua sorte.

Quando as coisas acalmaram voltaram para casa onde a encontraram, limpa, estimada, sem fome. "Nem os brincos de ouro lhe tiraram"...

(gosto de imaginar aquela menina, provavelmente bem vestida, talvez com algum brinquedo, adormecida num qualquer canto da sua casa, e a ser encontrada pelos soldados que nela reencontraram a sua humanidade, e a trataram bem, alimentando-a, talvez mesmo embalando-a e certificando-se de que não tinha frio enquanto dormia...)


A minha trisavó, Maria Libânia de Almeida, filha de Teotónio José Baptista da Mota
 e de 
Doroteia Libânia de Almeida Morais e Cunha d’Abreu Oliveira

A menina fez-se senhora e casou. Desse casamento teve três filhas. Tinha a mais velha 16 anos quando ficou viúva.

Passado um tempo, um moço bonito, bacharel em leis, começou a rondar e a fazer-se encontrado com a viúva e as suas três filhas. Qualquer uma daquelas meninas, já bem herdadas, eram um objectivo a considerar para um jovem ambicioso, voluntarista e com pouco dinheiro.

A viúva, percebendo a situação - o rapaz não tinha fortuna, mas era doutor e muito capaz - começou a insistir, sobretudo junto da mais velha, para que considerasse as atenções do Dr. Julião. A moça, nada. "É muito velho minha Mãe". Mas a Mãe não desarmava. E porque isto e porque aquilo, tão bem apessoado... e a rapariga, fartinha daqueles sermões, lá lhe atira: "Minha mãe, se o acha tão a seu gosto, case a minha mãe com ele!"

E foi o que ela fez , aos 42 anos tinha o noivo 28!!!

(adoro saber que tenho esta história inscrita nos meus genes!)


Este texto foi escrito e partilhado pela nossa amiga, Ana Pires, no grupo do Facebook associado a este blogue. Estas duas histórias da sua História de Família fizeram as delícias da nossa comunidade. Não poderíamos deixar de publicar também aqui. Agradecemos à Ana Pires pela simpatia com que nos autorizou a partilhar o seu texto com os nossos leitores.

1 de novembro de 2019

1 de novembro de 2019 por Manuela Alves comentários

Por Maria Isabel Frescata Montargil

Mais um texto desta série, desta vez da autoria da nossa amiga e colaboradora Maria Isabel Frescata Montargil , com a qualidade e o rigor imaginativo que já lhe conhecemos.

O TERRAMOTO DE 1755 E A ANA TERESA, DA ANUNCIADA (SETÚBAL)
(minha antepassada)
Era um dia santo , o 1º de Novembro.

Por Troino, pertinho do rio Sado, já quase- mar, Ana Teresa , a mulher de António Vidal, sabia-o. Trazia no ventre já pesado o seu primeiro filho. Que Deus o protegesse… que nascesse são, numa “hora pequenina” . Hoje, dia de Todos-os-Santos, depois dos fiéis defuntos, no dia que se seguiria. Sentia-se protegida ali … era sítio dos “seus”. Todos ali tinham nascido, em bairro de pescadores, de faina do mar, de salinas tão perto… Menos o avô António Mendes, pai da mãe: viera de tão longe, decerto com o padrinho de casamento, o capitão António Gomes Bravo. Tão novinho… nascido em Montalegre, terra de montanhas lá pelo norte, terra de neves e de serranias. Perto de Espanha. Todos o tinham conhecido menino ainda, já em Setúbal … Casara com a avó Maria da Cruz, já na Anunciada. Há mais de cinquenta anos … 

Ela, poucos meses antes, com o António Vidal. Também dali, claro. E um tanto à pressa, quando descobrira que … Temia as bocas do mundo, a Igreja e o Inferno ! O castigo pelos pecados … Tomara que o filho (ou a filha) nascesse bem ! 

Que a Srª da Anunciada a protegesse, que era o pedido que todos os do hospital da confraria dali faziam. E a Srª às vezes atendia … Que a confraria não tinha que obedecer ao Rei . mas apenas ao Papa, ouvira dizer … No Castelo, ali bem perto sim, o Rei mandava, mas na Igreja não … E era cada discussão entre o Sr. Padre e o Sacristão sobre a quem se devia obediência ! Coisa antiga, já … 

Era ainda manhã cedo, tinham repicado os sinos e muitos se encaminharam para as Igrejas …




Mas aquele foi afinal um dia diferente ! Sentiu que chão e paredes tremiam . Com força… como nunca sonhara ! E não apenas tremiam, como também caíam! Por toda a vila soavam gritos. E a igreja – a sua, a da Srª, a da confraria e do hospital – tinha fendas ! Que se abriam a olhos vistos !!! E as casas … E o ronco do mar , que vinha direito à terra !!! Abria também fendas a terra e jorrava água do mar, a ferver, até bem alto! Mesmo na sua frente … E o fogo, também ali e … acolá, e mais além! 

Coisa do Inferno, só poderia ser, naquele dia quente… Ou castigo de Deus por tanto pecado como mais tarde diria o Padre Malagrida, no exílio de Setúbal. Que o Sr. Ministro, Marquês de Pombal não era de se ficar … E também Malagrida iria experimentar o fogo, mas o da Inquisição …


Mas então já tinha nascido, são e salvo, o Francisco, o seu primeiro filho ! E já tinha também vindo ao mundo e à vila de Setúbal (tão diferente estava …) a Rosa Inácia, irmã do Francisco e minha antepassada também. 

Apenas ano e meio depois do terramoto 



21 de maio de 2019

21 de maio de 2019 por Maria do Céu Barros comentários

Mais um exemplo de "imaginação controlada " da autoria de Belo Marques, a quem agradecemos.

Por Belo Marques

Ao Matrimónio de Domingos Gonçalves com Domingas Gonçalves desta freguesia, filha de Geraldo Gonçalves e de sua mulher Isabel Francisca do lugar do Assento, assisti eu Padre Joseph Cruz de Faria, Vigário desta Igreja de S. Lourenço de Celeirós, em 11 de Maio de 1670 de que foram testemunhas Domingos Gonçalves do Assento e António Martins de Santa Anna, em face do que me assino, dia, mez e anno ut Supra. O Vigário Joseph da Cruz de Faria 



Corria o ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1677 (D. Afonso VI).
O mar, ainda que pouco ondulado fazia gemer a estrutura de pinho da nau Santa Clara. Já navegava há algum tempo. Fizera-se ao mar às primeiras horas da manhã. Lá longe, adivinhava-se o Sol a querer romper. De feição soprava um vento frio que, não sendo forte, chegava para enfunar aquele enorme pano branco que tanta azáfama provocou ao içar.
De quando em vez elevava-se da proa uma cortina de água salgada que o vento transformava em neblina. O sal e frio ajudavam a temperar as peles curtidas dos marinheiros de pés descalços que, agastados de tanto adriçar, circulavam pelo convés arrumando barricas enquanto o Contramestre dava ordens ao timoneiro e tomava conta do mar. O barulho das gaivotas misturava-se com o cortar das ondas. Na linha do horizonte a luz tomava conta do céu.


Os primeiros raios solares já se faziam refletir na vela mestra, emprestando ao convés uma cor dourada, entrelaçada por cordas esticadas. Aos poucos lá se vão afastando da costa. Cada homem leva consigo, para além da tarefa que lhe cabe nesta campanha, esperança do regresso. Envolto em pensamentos, Domingos Gonçalves nem se dera conta da passagem da Barra... há muito que esta ficara para trás.

Em Celeirós, depois de um dia de trabalho, Domingas Gonçalves vestida de preto com a foice na mão, lá vem de “Covas de Baixo” ladeira acima para o “Assento” com os socos gastos nos pés e com o cansaço estampado no rosto; Já avista a casa de seu pai ladeada de dois frondosos castanheiros e uma macieira brava. É casa de um sobrado com escadas em pedra bem talhadas harmonizando o granito com o vermelho pálido da telha romana. Cansada da monda, sempre arranja forças para dar de comer aos animais que ficam na parte térrea da casa, lida e que já há muito se tornara rotineira.
Isabel Francisca sua mãe, acabara de tirar o leite às cabras e prepara-se para tratar da ceia, um caldo de sopa galega, misturada com o feijão que a terra generosamente lhes oferece. Acompanhar não falta a saborosa broa de milho… Enquanto isso, Geraldo seu pai, na sua camisa de estopa manchada de sebo e com um velho gorro na cabeça, não acaba o dia sem antes, devotar algum tempo àquele tear que está a construir com certa meticulosidade. De enxó na mão lá vai aparelhando as madeiras que no final lhe irão dar forma. Faz ideia de quando o acabar, vende-lo em Ferreiros na feira da Misericórdia.


Construir teares, era para ele um complemento da atividade agrícola, arte que aprendera desde rapaz com seu pai.
Este trabalho excecional representava um pé-de-meia que sempre o ajudara a contrabalançar os anos maus na lavoura.
É aqui em casa de seu pai que Domingas se acolhe e encontra o conforto nas horas de tristeza e de saudade.
À luz da candeia, com a mão sobre a barriga faz contas ao tempo; Ao pensamento ocorre-lhe mil perigos a que Domingos está sujeito naquele mar em que tanta gente vai e não volta, e pede a proteção de Santa Ana que o traga de volta para que a criança que trás no ventre o possa vir a conhecer: reza baixinho a Deus que lhe traga boa sorte.
Ao seu lado, com o sono a querer tomar conta de si, Isabel Francisca, sua mãe, vai tecendo um pequenino chambre, aproveitando o último calor daquelas canhotas já meia apagadas, mas que mesmo assim ainda vão dando algum conforto aquela sala semi-escura, onde o pavio daquela pequena chama que baila no candeeiro teima em continuar, deixando no ar um cheiro a sebo, odor a que todos estão habituados.
Cansado, Geraldo, cedo se recolhe ao leito, mas sem antes em conjunto fazerem as orações ao divino. Cumpria-se assim mais um dia na rotina desta família que tinha na terra o sustento do corpo e Deus por conforto da alma.

Sabendo-se que, historicamente o Norte deu muita gente ao mar1, esta bem podia ser a história de Domingos Gonçalves.
Todavia, da sua verdadeira história, para além do que vem escrito no assento do seu casamento, nada mais se sabe.


1 No início do sec. XVI, a região do Entre-Douro-e-Minho continuava a ser a mais densamente povoada de todo o País apesar de, ao longo do século anterior, terem tido aqui a sua origem grande parte dos movimentos migratórios que acompanharam os Descobrimentos. Esta situação manteve-se ao longo dos séculos seguintes.
“Todavia, com as navegações, os camponeses minhotos programavam o destino entre a opção de trabalhar a terra, onde a fome espreitava sempre e as pestes ameaçavam, e o apelo das caravelas e da imigração para outros mundos.”. -Rui Feijó/João Arriscado Nunes - Cadernos do Noroeste


18 de maio de 2019

18 de maio de 2019 por Manuela Alves comentários
Onde a tua pessoa, onde o que eras tu? …
Que é de ti?
Eis que começa a tua longa viagem para a vertigem das eras, para a desaparição do silêncio dos milénios. Sim, agora vives para mim porque te sei.

Virgílio Ferreira, in Aparição.

Na sequência de uma conversa no grupo sobre como preencher as lacunas documentais, sem pôr em causa o rigor genealógico, a Maria David Eloy deu testemunho com alguns exemplos retirados da sua própria prática, em que a honestidade genealógica não fica beliscado pela escrita mais "livre e imaginativa" que tivermos , se colmatarmos as falhas existentes de certo tipo de informações com o que pudermos "retirar" das entrelinhas, usando "talvez", “quem sabe", "provavelmente", "possivelmente"...etc. que foram sugeridos por outros interlocutores.

Para memória futura e com o nosso agradecimento, aqui se partilham pequenos excertos que a Maria David Eloy escreveu:

Por Maria David Eloy

Francisco Lopes Preto -11°avô
Não seria fácil, com toda a certeza, deambular pelas ruas do lugar e escutar os sussurros que se escapavam da boca dos coscuvilheiros da terra, à sua passagem. A terra era bastante pequena, um simples lugar onde todos se conheciam e as novidades espalhavam-se com o vento. Talvez fosse mesmo um misto de compaixão, da parte de uns, quem sabe um misto de vingança, da parte de outros, quando eles murmuravam entre dentes "...lá vai o filho da queimada...”. Quem o viu nascer, crescer, tomar corpo, não podia imaginar para que fados o destino o empurrara. Ou talvez não, se fosse caso de ser pessoa atenta e soubesse olhar à sua volta, com olhos de ver, olhos do corpo e olhos da alma. Mas nem seu próprio padrinho, António Mendes, que foi o vigário da Fatela e tinha outra preparação, mal podia imaginar os sofrimentos que aquele menino iria ter, ao longo da vida, quando lhe deu o nome na pia baptismal da Igreja de S. Martinho, ali mesmo no lugar do Fundão. Já quanto ao que teria passado pela mente da sua madrinha, tia paterna dele, de seu nome Beatriz Rodrigues, e que já vira muito sofrimento na família, ela sabia que este seria uma constante ao longo da sua vida, como tinha acontecido antes com todos os parentes mais ou menos próximos e continuaria a ser no futuro, enquanto a maldita Inquisição durasse.

Nas suas declarações, nada acrescentou ao que dela exigiam, antes pelo contrário. Sem grandes exercícios de imaginação, quase podemos vislumbrar uma atitude de desafio perante os presentes quando se justificava, face aos erros que lhe apontavam, que ”no tempo em que andava errada não confessava estes erros a seus confessores por os não ter por tais e não crer na confissão nem nos mais sacramentos da Igreja, os quais tomava e fazia as mais obras de cristã por cumprimento do mundo”.

A sentença foi cumprida no Auto de Fé do dia 5 de Abril de 1620. Era domingo. Tinha quarenta anos e deixara inconsoláveis os seus três filhos. 

Francisco Manuel não mais voltou a ser o mesmo. Desde a morte da mãe que se habituara a ouvir os tais sussurros, à sua passagem, “...lá vai o filho da queimada...”. Podemos imaginá-lo a voltar o rosto, de raivas contidas, direito à maledicência, respondendo com altivez “sou filho da queimada, sim, e depois??...”.

 Diogo Mendes Pereira - 7° avô
Naquela manhã do dia 30 de Janeiro, a vila da Covilhã devia estar soberba, sob o costumado manto branco que a cobria, mal começava o inverno. Corria o ano de 1692. Será fácil imaginar a velha igreja de S.Pedro, na sua pedra encardida, granito amarelado a puxar para uma paleta de cinzentos, alguns pingentes de gelo tombando em estalactites da torre sineira e o piso térreo exterior, irregular e de pedra solta, empapado de lamas e de bostas. Ali os invernos eram rigorosos. Seria assim porque naqueles tempos o tempo ainda era cheio de rotinas e cada estação era bem demarcada nos calendários, que a agricultura seguia e tornava lei.

A verdade é que quase todas as denúncias se resumem sempre à mesma ladaínha: observância dos jejuns e do shabat, com a inerente roupa lavada, azeite limpo e torcidas novas para as candeias, restrições no consumo de carne, utilização de vasilhames novos em caso de falecimento de algum membro chegado da família.
Quando Branca Maria, mulher de Duarte Navarro, denunciou, foi isso mesmo que disse e o escrivão registou numa caligrafia inclinada e estilosa: “...disse mais que haverá quatro anos, na vila da Covilhã, em casa dela confitente, se achou com Diogo Pereira, seu parente, ...consertando na sexta feira à tarde a candeia com azeite limpo e torcida nova, a qual havia de estar em casa todo o dia de sábado, faziam jejum no dia grande do mês de setembro, estando todo o dia sem comer nem beber, desde o pôr-do-sol até ao outro dia às mesmas horas, e antes deste jejum faziam outro chamado de capitão, oito dias antes, e mais três no ano…”

Francisco Mendes Paredes -10º avô

Preso Francisco Mendes Paredes, é lógico que toda a família se começou logo a movimentar na execução das estratégias, tanto mais que ainda não tinha decorrido um mês sobre o acontecimento e já o édito de prisão para Branca Rodrigues, sua mulher, era publicado em 22 de Dezembro. O palavreado era bem claro “…mandamos a qualquer Familiar ou Oficial do Santo Ofício…a prendais com sequestro de bens, presa a bom recato com cama e mais fato necessário a seu uso e cinquenta mil réis em dinheiro para seus alimentos, a trareis e entregareis debaixo de chave ao alcaide dos cárceres secretos …”. Assim se fez, com o zelo costumado, sendo entregue nos ditos cárceres em 16 de Janeiro de 1664.


31 de janeiro de 2018

31 de janeiro de 2018 por Maria do Céu Barros comentários

Por Maria Isabel Frescata Montargil

Conhecia-a numa gaveta de um toucador, na minha infância. Não há muitos anos procurei o seu retrato … Perdera-se!
Num aniversário meu, por Janeiro, dediquei-lhe um pequeno texto (aquele cujos excertos agora partilho). Mas o retrato …
Esta foto é idêntica à que eu vira. Tinha sido oferecida a familiares, numa quinta que eu conhecera já abandonada. Tinham falecido… A empregada da casa guardou a fotografia, oferecendo-a a uma sobrinha, já idosa. Esta, por sua vez, porque sentiu que a vida lhe fugia, ofereceu-a a um primo meu, sabendo-o pessoa de família. Que então me ofertou uma reprodução …
(Tinha tentado entretanto conseguir fotocópia do seu assento de nascimento. Sem sucesso ... parecia maldição!)
Oferta "casualmente" (?...) chegada em novo aniversário meu …Tinham passado dois anos sobre o texto . Cerca de cem desde que a foto tinha sido tirada! 
Recordava-a bem! Era …
“ Uma menina.
Uma outra menina. Mais ou menos da sua idade. Uns seis anos, quando muito sete. Com os cabelos pelos ombros, risca ao lado e um travessão estreito a prendê-los. Lábios finos na boca pequena, fechada e firme. Muito séria. E aquele olhar imenso, de quem quer abarcar o mundo e os outros e não pode. Porque não pertencia ao mundo e os outros também não lhe pertenciam.


E fitavam-na muito fixamente aqueles enormes e muito claros olhos – diziam que verdes, porque ali eram em cinza. Toda a menina era em tons cinza esmaecida, quase sépia. A menina que vivia na gaveta era um retrato.
A dona da casa segurava-a com cuidado, mergulhava naquele olhar e ficava como que náufraga, como que perdida. Por tempos sem fim. Com a voz ferida, ia dizendo baixinho:
“- Se ao menos ela tivesse vivido poderia ser hoje minha amiga, quem sabe…Talvez pudesse desabafar com ela. Talvez me sentisse menos só …”.
“Ela” era a irmã que a dona da casa nunca tinha conhecido. Morrera muito antes do seu nascimento. Aos sete anos, com uma doença num braço, doença de estranho nome. Dela restara só aquela fotografia de uma menina diferente. E a lembrança a diluir-se.
….
Cheia de pena via a outra menina da sua idade. A “tia Maria”. Uma tia criança, em tons cinza-sépia e perpétua meninice. Fitou-lhe mais uma vez o rosto. Rosto cujo olhar levaria para sempre no seu.
….

Num dia frio de Outono procurou-a noutro lugar. Dia de Finados. Muitos anos mais tarde. A sua mãe partira também. Definitivamente. Era agora estudante e ainda jovem.. Não a encontrou; apenas um quase-berço de terra-chã, terra-mãe, rodeado por grades meio ferrugentas. Mais altas na cabeceira, como um pequeno altar. Numa pequena cama.
E dos ramos de flores que trazia, fez-lhe uma colcha de Primavera. Em florzinhas amarelas, brancas, rosa-vivo. Para a compensar daquele olhar a dissolver-se em cinzento-sépia e que um dia tinha sido verde como a Esperança.
Talvez que com aquela colcha ela regressasse depois do Inverno, como Perséfone. E colhesse as papoilas que não longe dali cresceriam. Mas ela não regressou, nem sequer à memória dos seus. 
Apenas à da sobrinha-menina da sua idade, talvez mais sua irmã que a mãe da menina. 
Crescera entretanto. Seria mãe. Colheria papoilas na Primavera e no Outono comeria grãos de romã. O ciclo continuaria. 
Mas no Outono da sua própria vida – a acinzentar-se – lembraria a Primavera no olhar da menina do retrato.
Inutilmente.


15 de agosto de 2017

15 de agosto de 2017 por GenealogiaFB comentários

Por Madalena Campos

Sabia-me uma mulher ligada ao Rio Guadiana e seus afluentes, por genealogia materna, conhecendo muitas das suas aldeias e vilas.

Da genealogia paterna, Escurquela, em Sernancelhe, Beira Alta, era a referência, juntamente com as vizinhas Fonte Arcada e Riodades. Todas as outras terras que vi citadas nos assentos paroquiais, como lugares onde nasceram e viveram os avós mais distantes, foram surpresa e levaram-me a sentir um desejo incontido de as visitar.


Mal sabia eu que o Rio maravilhoso que me habituara a amar no Porto, era, afinal, junto com vários afluentes, tão meu como o grande Rio do Sul. 
O Alto Douro de Peso da Régua, Vila Real, Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Lamego, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira, Vila Nova de Foz Côa, afinal pertence-me, tal como ainda em Cinfães, Ferreiros de Tendais. 

Pensava ainda que o meu Mar era a Sul, desde a Albufeira natal até Vila Real, onde o Guadiana tem a foz. 
Acrescentei o mais encapelado Mar de Aveiro, cidade onde, na Rua Direita, viveram durante gerações alguns avós.
Juntei o Mar ao largo de Lisboa, capital onde bem no seu centro, viveram outros.

À ideia de que a Espanha fronteiriça que me dizia respeito era andaluza acrescentei a certeza de que a Espanha do Douro Internacional é raia que me toca também, lá para Freixo de Espada à Cinta.

A Forte, Farta, Fria, Fiel e Formosa Guarda e seu termo também vieram inscrever-se-me na pele.
Guimarães, que me encanta.
Póvoa de Lanhoso, que ainda não visitei.

Há dois Verões que o meu coração me leva a percorrer estes destinos, com a vontade de sempre regressar, com Escurquela a exercer o seu forte apelo, onde tenho bebido, com sede, junto dos poucos parentes da geração da minha avó e meu pai que ainda aí se encontram, informações fulcrais para seguir alguns ramos.
Neste lugar, ainda mais que nos outros, a emoção toma conta de mim, parece que os pássaros surgem em bando para me saudar com o seu canto, os aromas ficam mais enebriantes só para mim, o Rio que ali passa sussura-me segredos, as pinturas belíssimas do tecto da Igreja ganham todo o seu esplendor à minha entrada.


14 de agosto de 2017

14 de agosto de 2017 por GenealogiaFB comentários

Por Isabel Roma de Oliveira

Entrei na genealogia por acidente em 2005, quando morreram, no espaço de um mês, os meus avós paternos. Desse meu avô herdei inúmeros textos e fotografias, sendo que ele já guardava outros textos dos seus avôs. E assim comecei.


Quinta da Veiga, Padim da Graça

Entre inúmeras gavetas e baús encontrei um texto que fazia referência a uma casa cuja fotografia eu já conhecia. Era a Quinta da Veiga, casa dos avós maternos do meu avô, em Padim da Graça. Nessa casa passavam férias os filhos e os netos do casal José Dias Gomes Braga e Maria Amélia de Faria Couto Gomes Braga, meus trisavós. A fotografia parecia dum local idílico e a descrição acentuava o mito. Em 2006 aventurei-me à procura da casa. Fui a caminho de Braga, depois Tibães, Padim da Graça. Encontrei-a quase sem procurar, numa curva do caminho, um pouco mais “baixa”, porque o nível da estrada subiu bastante. Mas era a tal! Ainda se apresenta imponente, com uma grande fachada lateral, um portão frontal face à estrada e a famosa ramada. Imagino o que terá sido numa época em que a construção era mais escassa.

(fotos: 1876/ 2006)

Casa da Ribeira, Porto

A “mais alta casa de Cimo de Muro”, como toda a gente da família lhe chamava, era a casa dos avós paternos do meu avô paterno. Lá nasceram todos os 16 filhos dos meus trisavós. Lá nasceu o meu avô e os seus 2 irmãos. A casa tem estado toda a minha vida em frente aos meus olhos, mas nunca lá tinha entrado, até ao ano passado. Foi vendida depois da morte do meu bisavô, em 1961, e foi transformada num bloco de apartamentos. Recentemente foi novamente vendida e transformada num hostel. Quando me apercebi, marquei lá encontro com uma prima, trineta, como eu, dos primeiros donos. Pedimos permissão, explicando a nossa história, e visitámos, comovidas, uma casa cheia de memórias nossas, mas não vividas por nós!

(fotos: c. 1860 / atualidade)

Casa da Cisterna, Alfanzina, Lagoa

A Casa da Cisterna começou a ser construída em Maio de 1943, pelo avô materno da minha mãe, num terreno chamado Alfanzina. Originalmente, a parte de Alfanzina pertencente à nossa família, era dos bisavós do meu bisavô, que foi quem veio a herdar a propriedade.

Na empreitada de construção estiveram envolvidos dois pedreiros e o meu bisavô, na época com 33 anos, e que era o responsável por todos os trabalhos. No fim da obra foi ainda contratado um carpinteiro, para executar portas e janelas. Mas os trabalhos acabaram por envolver toda a família. O meu bisavô passou 6 meses a amassar barro, o que lhe valeu a alcunha de “Barrento”. Parte desse barro servia de cola às pedras (decorria a II Grande Guerra, pelo que não havia cimento em Portugal), outra parte era depois colocada em formas, pela mão da minha bisavó, e posta a secar, para fazer os tijolos. As paredes da casa chegavam a ter 50 cm de largura, o que tornava a casa muito fresca. A massa do reboco era uma mistura de cal e areia. No ano da construção toda a parte de trás da casa, virada a Nordeste, ficou rebocada e caiada. A frente ficou em bruto, com um reboco tosco, e só em 1958, aquando da construção do armazém, se aplicou o reboco final e se pintou com a característica cor azul-mar.

A família, à época constituída por pai, mãe e duas filhas, veio habitar a nova residência no final de Outubro de 1943, quando foi concluída a primeira fase da construção. Nessa altura a habitação era composta por uma casa de fora (divisão semelhante a um hall, mas maior e com outras funcionalidades), uma cozinha e um quarto, à direita. Frente à casa de fora surgia um corredor que ligava ao quarto principal e à sala de família, e que terminava na porta principal da casa, virada a sueste e ao mar. No telhado, com acesso pelo lado sudoeste, havia um sótão que servia de palheiro. No início de 1944 foi construída a alpendorada para a burra, o galinheiro e instalações para os coelhos, bem como um quarto de arrumos, que servia de armazém, e que ficava ao fundo da alpendorada. No ano de 1947, em Abril, construiu-se a cisterna. Em 1958, ano em que os meus avós se casaram, foi acrescentado à casa um armazém, no lado da estrada, o que permitiu transformar o quarto de arrumos noutro quarto de dormir. Em 1963 a casa adquiriu o aspeto com que permaneceria por muitos anos, com a construção do alpendre, onde ficava a casa de banho e o forno. A casa de banho era constituída por uma sanita (com ligação a uma pequena fossa) e por um chuveiro manual (basicamente composto por uma balde terminado em chuveiro, que se enchia com água fervida ao lume, elevava-se com a ajuda duma corda e abria-se e fechava-se com uma pequena manivela lateral; o escoamento da água do chuveiro era direta para a rua). Frente ao alpendre existiam ainda uma pocilga e uma estrumeira.

Quando o meu bisavô morreu, a 5 de maio de 1980, a minha bisavó ficou na casa. Como não existiam números de portas, algumas casas tinham nomes, para facilitar a identificação. A nossa casa não tinha... Por essa altura, o carteiro decidiu nomeá-la Casa da Cisterna, devido ao grande impacto que a cisterna de 1947, ao fundo do enorme eirado, causava em quem descia em direção à praia. Em todos os envelopes e postais vinha escrito, de lado, com letra tosca, o nome que a casa adquiriu. E nós passámos a dar a morada com o batismo do carteiro incluído! A 29 de Outubro de 1998 a minha bisavó morreu, sendo que a casa passou a pertencer aos meus avós. Em Julho de 2004 terminaram as obras de recuperação e ampliação. Este foi, e será para sempre, o meu paraíso!

(fotos: 1956 / atualidade)

kwADBraga, kwADPorto, kwADFaro

9 de agosto de 2017

9 de agosto de 2017 por Manuela Alves comentários
Quando descobri, nos registos de casamento de 1851 da freguesia da Sé, o segundo casamento do pai da minha trisavó Ana Olinda de Lemos deparei-me com uma história familiar que me remeteu para o ano de 1833 e para um episódio vivido durante o Cerco do Porto.

Aguarela de Alfredo Roque Gameiro



Conta-nos Júlio Joaquim da Costa Rodrigues da Silva [1], que no dia 1.° de Janeiro de 1833 chegou à barra do Porto a expedição do general Solignac com o seu estado-maior e 200 belgas vindos de Ostende via Falmouth na Inglaterra. Estas zonas já tinham sido contaminadas pela epidemia de cólera e durante a viagem declararam-se a bordo casos da moléstia. Avisado o ministério e D. Pedro IV do que se passava, foi enviada uma ordem ao inspector de saúde do exército para inspeccionar o navio, informar de imediato o que encontrasse e proibir, se necessário, o desembarque. Inexplicavelmente este foi autorizado e realizou-se na Foz. Os doentes, transferidos para os hospitais militares do Porto, propagaram a doença para a população civil, a partir do bairro de St.° Ildefonso, onde viviam as lavadeiras dos referidos estabelecimentos.

As deficiências alimentares resultantes do cerco e as péssimas condições higiénicas ajudaram à progressão da epidemia que atingiu o máximo em meados de Fevereiro, mantendo-se estacionária nos meses de Março a ]unho, declinando rapidamente em ]ulho e extinguindo-se em Agosto. 

Numa população calculada em 80.000 habitantes terão morrido cerca de 3.261. A violência do surto epidémico parece ter surpreendido o governo liberal que inicialmente reagiu lentamente e com hesitação. É verdade que logo após a irrupção do surto de cólera e durante o cerco actuou drasticamente, apesar das dificuldades militares e da pobreza de recursos, estruturando os socorros públicos de ajuda à população. Para tal criou uma comissão de médicos em serviço permanente para aconselhar e pôr em execução medidas necessárias como: instalação de hospitais para os doentes, organização da assistência ao domicílio, limpeza das ruas, prisões e habitações, enfim tudo o que fosse urgente para exercer a vigilância sanitária. Não obstante, a eficácia demonstrada foi tardia e não explica o erro inicial. É possível que a situação crítica do ponto de vista militar tenha levado a autorizar o desembarque dos belgas com receio de que uma recusa tivesse efeitos negativos no recrutamento de tropas mercenárias na Europa. (…)[2]

A epidemia atingiu, pois, muitas famílias portuenses que viram falecer desta doença alguns dos seus membros. Assim aconteceu na minha.

Joana Rosa da Graça, minha 5ª avó materna, faleceu a 13  de Junho de 1833, vítima da cólera no hospital improvisado  de S. Pedro de Alcântara, estabelecido na Quinta do Monte de Santa Catarina e que fora pertença dos Frades da Congregação do Oratório. E não fosse o seu viúvo pretender casar de novo, eu teria ficado na ignorância de um história de família com o seu quê de singular, pelo menos aos meus olhos de hoje, já que no passado tal situação seria relativamente vulgar.
E com quem casa o meu 5º avô em 1851?
Com Joaquina Rosa da Graça, irmã mais velha da sua primeira mulher, e com quem tivera filhos desde Agosto de 1834, o que significa que iniciou este relacionamento logo após a morte da primeira mulher. Os filhos são legitimados na altura do casamento, conforme consta do respectivo registo:
Vítor Rodrigues Cardoso, nascido em 4.8.1834  e casado em Miragaia, em 1859;
Eduardo Rodrigues Cardoso de Lemos, nascido em  5.3.1836
José Joaquim da Graça Rodrigues Cardoso, nascido em 3.4.1837. casado em 1857 no Rio de Janeiro, onde era caixeiro, e aí falecido em 1868;
Cristina Augusta, nascida em 15.9.1838

Na participação do óbito de José Joaquim aparece ainda  um José Rodrigues Cardoso de Lemos, que não averiguei quem fosse...

Partilho aqui esta história familiar, menos pelo interesse que possa ter em si mesma para quem não é da família , mas porque a considerei interessante por outros dois motivos:

1º o saber não ocupa lugar e a minha gente  ( e não só...) ficará a saber um pouquinho mais...
2º em genealogia nunca a investigação está acabada... novos documentos poderão vir a enriquecer esta história...
3º os mais imaginativos poderão criar estórias - que até possam servir de "hipóteses" para que se tornem histórias!


[1] Lusíada. História. Lisboa. II Série, n.° 1 (2004) Imaginario Social das Epidemias em Portugal no Seculo XIX, p. 95-125
[2] É certo que os liberais não foram os únicos a errar neste quadro político e militar. O governo miguelista só muito tarde se apercebeu do perigo de contágio (…) que a capital corria devido aos contactos com Aveiro e outros portos da Europa já atingidos (…)Assim, assoberbado com a preeminência das acções militares, reagiu tardiamente acabando por organizar hospitais para os doentes de cólera e tomar medidas de emergência para travar a propagação da epidemia semelhantes às do Porto.Ver o artigo citado para a extensão da epidemia a outras regiões de Portugal.

kwADPorto

1 de agosto de 2017

1 de agosto de 2017 por Manuela Alves comentários
Um dos efeitos colaterais da investigação genealógica é o desejo de conhecer os locais que foram o chão dos nossos antepassados, alguns deles completamente desconhecidos e sem qualquer reminiscência nas memórias familiares transmitidas oralmente.


Desenho de Eduardo Salavisa - Rua de Santa Maria, Guimarães



Agora que uns regressaram de férias e outros estão de partida e, enquanto esperamos pelos vossos textos, inspirados na evocadora fotografia do João Gonçalves, sugerimos o tema que dá o título a esta postagem.  A vossa participação enriquecerá o nosso blogue e, também, as vossas memórias para as gerações que nos seguem...

Mãos à obra, registando visual e oralmente o vosso turismo genealógico.... Ficamos à espera, no local do costume, o mail do Genealogia FB.


29 de julho de 2017

29 de julho de 2017 por GenealogiaFB comentários

Por Madalena Campos

Foi no “escritório velho”, como era designado, agora numa parte da casa que deixara de ser utilizada, de avô e bisavô do meu marido, que vim a perceber a que me dedicar com entusiasmo nos anos seguintes ao cessar da vida activa.

Fotografia de João Gonçalves


Tendo esse avô sido um homem que arquivava toda a correspondência recebida e expedida, havendo inúmera documentação desde o século XVII referente a prazos, heranças, compras, vendas, processos, diários, fotografias, revistas culturais antigas, recortes de jornais, passaportes, bilhetes de navios, pareceu-me haver em arquivo material suficiente, a constituir uma óptima fonte para continuar o trabalho dum tio padre, o Padre José Monteiro de Aguiar, que já tinha estudado a genealogia de duas casas da família, a do pai e da mãe, com dados que eram do conhecimento familiar, e por pesquisa presencial na Torre do Tombo.

A partir das genealogias dessas duas casas e consultando o etombo, parti à procura dos outros nomes de quem permitira a existência dos meus filhos, pela parte da avó paterna, tendo nessas outras fontes pessoais excelente complemento para perceber a que se dedicavam, com quem interagiam, até a traçar-lhes um perfil.

Foi aliciante ver que muitos desses nomes constavam dos documentos existentes nesse escritório e até outros nomes que fui encontrando nos assentos da freguesia e freguesias limítrofes, permitindo conhecer o relacionamento existente entre eles, em termos de parentesco, de amizade, negociais.

Houve na casa um homem a quem estiveram hipotecadas algumas quintas conhecidas, transmitidas a várias gerações. Um homem de negócios financeiros, efectuados em escritórios do Porto e Lisboa. Foi a esse homem a quem roubaram na ocasião da sua morte uma caixa de moedas de ouro existente perto do seu leito. Há um depoimento feito por filho, padre dominicano, que se encontrava no quarto, por onde passaram muitas outras pessoas, depoimento encontrado nesse escritório.

Há cartas de pais para filhos, de filhos para pais, ajudando a perceber os seus percursos. Diários em que são relatados acontecimentos especiais, como nascimento de filhos, falecimentos de esposas, júbilo por uns e dor por outros; fenómenos naturais ocorridos; caderninhos de receitas, uns, outros com formas de fazer face a maleitas várias, de orações, até de cantigas.

Foi graças a esse escritório que senti o gosto pela pesquisa genealógica de todos os membros da família, por todos os ramos, a que me tenho dedicado, para transformar o passado esquecido no presente em presente dando vida ao passado.


Texto inserido na série Do passado esquecido no presente ao presente dando vida ao passado

27 de julho de 2017

27 de julho de 2017 por GenealogiaFB comentários

Por Maria Isabel Frescata Montargil

Muitos anos passaram desde esta foto até ao dia em que me tornei sua neta… 
Eu, que avó de netos crescidos sou agora !
E, contudo, reconheceria sempre este rosto … a vivacidade, o brilho subjacente nos olhos embaciados. A voz …
Nos muitos dias, nas muitas noites com ela vividas, contava-me histórias de um mundo então já antigo . À luz do candeeiro de petróleo, que o “luxo” da electricidade ainda não existia. Histórias passadas lá longe, na vila; lá longe, na aldeia. Histórias que ouvira, de gente há muito desparecida. Histórias vividas junto ao castelo, salteadores terríveis que apavoravam gentes e povoações. Epidemias de funestas consequências por tempos de guerra e de que ouvira falar … Outras que vivera!
Allan Poe invejaria aquelas noites … Enquanto ajeitava as brasas a esmaecerem na fogueira (para quê a tenaz ? Os (calejados) dedos eram para tal óptimos), olhava-me. Num olhar de malícia e cumplicidade, que viveria para sempre comigo. Soltava uma gargalhada fina, a cortar a noite e os tempos ….



25 de julho de 2017

25 de julho de 2017 por Manuela Alves comentários

Casa do Largo, no Porto

              
Encontrei no Porto Desaparecido esta fotografia, proveniente do Arquivo Histórico Municipal do Porto,  que julgo ser a última da Casa do Largo, a casa dos meus bisavós,  onde eu nasci e, antes  de mim,  os meus tios avós desde 1911, e o meu tio materno Arnaldo José, em 1926.
Quando a casa do Largo da Cividade ou Largo do Corpo da Guarda, passou para a posse dos meus bisavós, em 1911, ainda não estava dividida. Isso só deve ter acontecido depois da morte da minha bisavó em 1920. E na parte dividida, à esquerda, por cima do estabelecimento de armador (funerário)  do meu bisavô José Maria da Silva passou a habitar a D. Lucília, professora primária, e seu marido, o coronel Machado.


2 registos da mesma casa com 30 anos de diferença - a casa foi comprada em 1908 ,pelo meu trisavô, teve obras e só passou a ser habitada pela sua filha única, Berta e sua família em 1911.

E como as memórias são como as cerejas, evocar o passado é também evocar as memórias dos vizinhos que povoaram os espaços dos nossos antepassados e quem sabe, dar pistas a seus eventuais descendentes que nos leiam. E cá deixo um exemplo:
A D. Lucilia era irmã da D. Irene Castro, também professora primária, casada com um advogado, pais do Professor Armando de Castro, da Faculdade de Economia do Porto e  do Dr. Raúl de Castro (e também do Amilcarzinho e da Ireninha, no tratamento familiar que era usado lá em casa). Ah mas há mais memórias. A Dra Isabel Machado, casada como Dr. Octávio Abrunhosa, professora e depois minha colega no Colégio de Nossa Senhora da Esperança, e mãe do Pedro Abrunhosa, era sobrinha do coronel Machado, casado com a D. Lucília (este casal não teve filhos).
E para terminar: na casa pegada, do lado direito vivia o ourives (creio) Guilherme Penafort de Campos, com estabelecimento no rés do chão, pai da amiga de infância da minha Mãe, a Lininha (Carolina) Campos. Esta veio a casar com o Dr. Raul de Castro.

E fica para outra altura uma história deste casal, que, fugido às perseguições da PIDE, esteve escondido  na nossa casa de Gaia, para onde tínhamos ido viver, quando a casa do Largo foi expropriada.


kwADPorto

16 de novembro de 2016

16 de novembro de 2016 por Manuela Alves comentários
Folhear páginas e mais páginas de livros em busca de nossos “defuntinhos” é cansativo, um pouco automático, e claro, exige muito tempo, paciência e determinação.
Normalmente, enquanto estou nesta árdua tarefa, meio que converso com eles: “onde você está?”, “não se esconda de mim!”, “por onde você anda?”, “vai, me ajuda a te resgatar”, “não me deixe no vácuo!” (risos). Claro, é conversa de doido, pois eles não podem me ouvir, mas sinto que assim de alguma forma ligo-me a eles.
O que passa pela cabeça de vocês, no que ficam pensando, enquanto fazem este árduo trabalho?

Assim iniciava o seu post no grupo “Genealogia FB” em 2 de Outubro p.p. a nossa amiga brasileira Márcia Helena Miranda de Souza, presença assídua e sempre disposta a ajudar, como muitos outros amigos que tornam este grupo, mais que um grupo de entreajuda , um grupo de amigos virtuais unidos pela paixão comum de investigar as suas raízes familiares.

Os comentários a este post foram muitos e constituem interessantes testemunhos do modo como nós nos relacionamos com as nossas fontes e construímos, passo a passo, a nossa memória familiar. Assim se vai fazendo da investigação genealógica um elo que une múltiplos espaços e tempos, cimentando gerações e aprendendo a respeitar como o diferente nos torna iguais.

Deixando no grupo a riqueza da multiplicidade e complementariedade de perspectivas , resolvemos, com a anuência dos respectivos autores , divulgar aqui alguns desses relatos, sem o mínimo desprimor pelos restantes.


Da interpelação dos ancestrais...

Maria David Eloy
Cara Márcia, acredite que não é a única a comportar-se assim. Comigo passa-se exactamente o mesmo, falo com eles, questiono, "pressiono" para se deixarem encontrar, faço "chantagem" emocional (se não se mostram, ficam fora do trabalho, da publicação!), enfim, relaciono-me com os documentos como se através deles eu arrastasse de novo à vida todos os ancestrais que me deram origem. É algo que só um genealogista compreende. Porque sabemos entender nas entrelinhas tudo o que passaram. 

a alguns relatos que nos deixam a pensar...

Rubens Câmara
Certamente já aconteceu com alguns de vocês: o nosso avozinho ou avozinha falecidos há 200 ou mais anos "escutam" nossos pedidos para que se revelem! Eu fiquei meses pesquisando no arquivo da Cúria Metropolitana de Belo Horizonte, MG, Brasil, procurando registros de meu oitavo avó Phelippe Gomes Rodrigues da Câmara sem nada encontrar! Já havia desistido das buscas, agradeci e me despedi dos funcionários do arquivo e fui-me embora! Agora, acreditem-me ou não, antes de entrar em meu carro, fui "puxado" de volta ao Arquivo! Ao entrar lá, a secretária me indagou se eu havia esquecido alguma coisa lá, caneta ou bloco de notas? Disse que não, apenas pedi para pegar um livro aleatoriamente numa das estantes. Ela permitiu. Corri os olhos pelas dezenas de livros e peguei um que, provavelmente, não teria informação sobre o meu tal antepassado. Ele havia nascido por volta de 1750 e o livro que peguei era de batismos de 1840 a 1857. Abri aleatoriamente o livro exatamente onde estava, erroneamente arquivado, o "Testamento de Phellipe Gomes Roiz da Câmara falecido em 1811" !!! A partir desta descoberta pude desvendar toda sua ascendência até o primeiro Câmara (João Goncalves Zarco)! 

Maria David Eloy
Minha bisavó paterna chamava-se Maria Amélia Henriques da Silva, nasceu no dia 02.08.1842, casou no dia 17.10.1860 e faleceu no dia 23.04.1926. Sua filha, minha avó, tinha um caderno escrito pelo seu punho onde anotava todos os acontecimentos importantes da sua vida, para além de registar as datas de nascimentos, casamentos e baptizados da restante família. No dito caderno estava escrito "Meu pai chamava-se David Francisco Eloy, nasceu....(tal, tal, tal....) e minha mãe Maria Amélia....., nasceu no dia 2 de agosto de 1842......(e seguiam-se todas as informações quer do casamento quer do óbito). Quando comecei a fazer genealogia, aos 17 anos, comecei por este caderno. Nos assentos paroquiais, fui encontrando todas as datas, excepto o baptismo dessa bisavó Maria Amélia. Eu sabia a data de nascimento, sabia o nome, a filiação, a freguesia, tudo mas o dito registo parecia que se tinha evaporado. Pensei "se calhar a avó enganou-se e a bisavó não é natural da freguesia de S.Pedro". Pesquisei TODAS as freguesias da Covilhã, salvo erro 14!!!! E nada de aparecer o dito baptismo. Depois pensei " se calhar ela nasceu em S.Pedro mas foi baptizada em qualquer outra localidade que não a Covilhã". E desisti. Mas de vez em quando, lá me vinha o desejo de encontrar o seu baptismo e voltava aos mesmos microfilmes, vasculhados até à exaustão: pesquisava em Marias, Amélias, Marias Amélias e ...nada! Cinquenta anos depois,completamente desmoralizada pelo fracasso, ao analisar de novo o microfilme 188 da Covilhã, em busca de um antepassado diferente, o meu pensamento voltou a essa bisavó, inconscientemente, e acho que disse qualquer coisa deste género, para os meus botôes:"que raio, onde te meteste??? haja pachorra para te aturar!!!". Rodei a manivela da máquina dos microfilmes até cerca de umas dezenas de páginas e parei, para ver se a data que eu andava a pesquisar estava próxima. Os meus olhos tombaram num registo com os nomes dos meus trisavós e tetravós. Fui ler entusiasmada, pensando "Que sorte, encontrei mais um parente que desconhecia!". Analisei bem e tratava-se de uma menina, de seu nome Francisca. E voltei a pensar "a família vai ficar admirada quando souber que houve mais uma filha do trisavô". Só quando reparei na data de nascimento verifiquei que era a mesma de Maria Amélia. E pensei, então, “...engraçado, tiveram gémeas...”.Tirei uma fotocópia do registo. Em casa, ao arrumar na pasta das certidões, fui analisar bem o tal registo, para inserir as informações na base de dados. O registo estava muito sumido. Munida de uma lupa, comecei a ler tudo direitinho. A Francisca nascera no mesmo dia da bisavó Amélia, tinha os mesmos pais e avós de ambos os lados. E voltei a pensar "Que curioso, não imagina que havia uma irmã gémea da bivó". Olhando melhor, quase sumido na dobra da folha onde estas são cozidas, estava escrito: "Francisca mudou o nome para Maria Amélia pelo sacramento do Crisma". Estava deslindado o mistério. Ninguém na família soube, alguma vez, que a Maria Amélia fora baptizada como Francisca! Daí eu ter levado 50 e tal anos até descobrir o seu registo, pois sabia que se chamava Maria Amélia, assim constava no registo de casamento, de óbito e dos baptismos dos filhos, para além do caderno da sua filha que escrevera "Minha mãe, Maria Amélia....". Estes são os milagres que se deparam a todos os genealogistas. E foi um impulso, inexplicável, de pensar nela e percorrer o mic.188 pela N vez, quase insultando a sua memória, que ela se revelou finalmente!

João Luís Esquivel
Sou português, nascido no Algarve de onde sempre foram todos. Mas uma das n-avós tinha um conjunto de nomes assaz curioso que sempre consegui memorizar. De seu nome Benilde Sinclética Dourada da Silva. Não é gralha, não. Sinclética mesmo. Casou com o meu 5.º avô no Rio de Janeiro em 1810, na Capela do Palácio Episcopal. O dito avô tinha ido na "romaria" da Família Real para o Brasil e aí se apaixonou. Pouco tempo depois de casar voltaram a Lisboa. Nada mais soube da senhora. Esta informação tinha-a eu em 1980. [...]
Os anos foram passando e a oportunidade apareceu em 2012. Combinei com amigos, fui, e adorei mas resolvi ir uma semana antes para ter tempo de visitar a Catedral Metropolitana e procurar o paradeiro de Benilde. Depois de muitas peripécias, fui perdendo a esperança. Nada encontrava. Um vazio descomunal. Lá para o fim, aparece um processo de divórcio acontecido em 1755. Por ser tão recuado no tempo e ser de Divórcio!!! e por não ter encontrado nada do que pretendia, resolvi pedir o processo. As horas disponíveis estavam a acabar e “como prémio de consolação” quis ler o processo. Qual não é o meu espanto que esta senhora era a avó da dita Benilde, Teresa Felizarda de São José, minha 7.ª avó. O curioso da história é que a família dela e do marido tinham origem em….. imaginem? Olinda. 32 anos depois de repetir a história da minha avó brasileira que dançava na minha cabeça com a imagem saudosa da Carmem Miranda…. Tem brinco de ouro, (tem)…., Corrente de ouro, tem…. e o marido chamava-se João Dourado de Azevedo!!!! :)

A interacção com o Passado

Dulce Silva José 
Muitos dos meus antepassados conheci-os por ter pedido aos arquivos a sua pesquisa.Uma alegria quando recebia respostas positivas. Depois na Torre do Tombo mexer nos livros de assentos, com caligrafias impossíveis uma irritação, a descoberta de histórias difíceis de ter mais explicações "um tetravô assassinado na sua propria herdade"?? Fotografar as casas onde moraram "avós" no sec. XIX, uma emoção! Quando, num ramo, cheguei a 1640 tinha um parente com o mesmo nome doutro, cheguei a sonhar com ele várias vezes e não cheguei a conclusão nenhuma. Mas chamei nomes feios aos invasores franceses que queimaram arquivos nas zonas onde tenho ascendentes e que não permitiram prosseguir as pesquisas.

Eduardo Arantes Leão
Pesquisando tetravós que vieram dos Açores (Bernardo Homem da Silveira, José Garcia Pereira, José de Andrade Braga). Fiz junto a viagem, vi as ilhas sumindo além mar, senti o balanço da nau. O médico prometeu alta para o mês que vem... kkkkkkkkkkkk. Fico tão compenetrado que me transporto para o tempo.

Pedro Galego
Eu penso mais nos fatos históricos e como terá aquele antepassado sobrevivido a invasões francesas, guerra da restauração, guerra civil, etc. E terá ele sequer percebido o que se estava a passar? Creio que não. Apenas se preocupavam em sobreviver na sua árdua vida.

João Luís Esquivel 
Adorei ler TODOS os vossos comentários e partilho de muitos dos vossos pensamento. O que não foi citado foi que (quase) todos aqueles que pesquisamos Sobreviveram, viemos deles e eles são os vencedores, aqueles que nos legaram a sua história e transpuseram o Tempo. Por isso merecem o meu maior respeito e admiração. Com isto não quero dizer que os que ficaram pelo caminho não são valorizados. Interrogo-me tantas vezes quanta dor reflectida nos óbitos "faleceu sem testamento e sem descendência", ou como já disseram na perda dos jovens e filhos de tenra idade, quantas promessas perdidas. quanta tristeza. Por último, sempre que leio, e releio, e treleio os livros tenho sempre a sensação que me é facilitada uma brecha entre as cortinas do passado mas que não me deixa ver tudo o que há para ver, limitando a minha mirada ao que se lê nas entrelinhas e linhas que transpiram as suas vidas e jogam ao esconde-esconde comigo dando uma no cravo e outra na ferradura para me manter animado. Adoro este jogo!

Ana Cristina Almeida
Leio os livros todos, porque gosto de saber de quem se rodeavam os meus, imagino-os nos seus lugares, de onde se conheciam, de quem eram amigos ao ponto de serem padrinhos de um filho, ou se escolhiam o padrinho apenas por ser uma forma de demonstrar respeito e/ou servilismo a uma determinada pessoa ou família. Tudo isso me ajuda a conhecer o meu antepassado e tenho tido a sorte de encontrar registos de pessoas que foram importantes para o destino da minha família. E assim como ver um filme e como já sei o final, vou comentando, à medida que vou , coisas do tipo: O teu colega de trabalho tem uma irmã em idade de casar, são amigos, então porque não casaste com ela? e aí, vou procurar a pessoa com quem a moça casou, etc etc

E terminamos com esse desabafo da Maria Isabel Frescata Montargil :
Quando me olharem (suspeitosamente) e... e eu vir nesses olhares o "Sempre foi estranha com as estas "coisas" e agora deve estar a "endoidar!" , poderei então num desafio afirmar :"E agora como é?!..." E sempre posso "resmonear" para mim própria : "Credo! Tão insensíveis...

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