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20 de março de 2021

20 de março de 2021 por Maria do Céu Barros comentários

Por Isabel Frescata Montargil

Estávamos em pouco mais de meados do mês de Fevereiro. Ano de 1689 de Nosso Senhor.
O dia da Senhora das Candeias, dia 2 de Fevereiro, dia de previsão meteorológica das mais seguras (e desconcertantes) desde muitos séculos antes, já tinha passado.
Não havia quem dos campos fizesse o seu ganha-pão que não o soubesse …
“Se a Senhora das Candeias vem a chorar está o Inverno para acabar, se vem a rir está o Inverno para vir”…
Decerto teria chorado mais uma vez a Senhora das Candeias. Talvez pelas intempéries… Não é seguro que assim fosse, contudo.
Merecedor de dó, o pobre guardião do minúsculo templo …. Entre vinhas e olivais.
Que continuariam por muitos anos a encher os cálices das Eucaristias e as candeias da Senhora. Com uma mó bem por perto …
Pobre Ermitão, solitário, a meio caminho entre a vila de Palmela e a Aldeia. Aldeia mais tarde da Quinta do Anjo.
Uma estrada de pouco mais do que pé posto do lado direito, seguindo para Coina, era apropriada para peregrinos que pretendiam atalhar caminhos.
Pobre ermitão da famosa ermida de São Brás. São Brás, o protector de gargantas com moléstia…Cuja celebração era no dia a seguir à Senhora das Candeias, a 3 de Fevereiro.
Se sete bispos ali tinham estado para benzerem a ermida, tinha sido decerto há muito.
De tal não se recordava o ermitão…
Por tempos d’el Rei D. Dinis, ao que diziam ….
Rei D. Dinis, aquele que “fez tudo quanto quis”, assim dizia o povo. E voz do povo é voz de Deus, asseguram …
O mesmo Deus, senhor dos católicos e com vasta corte de santos, por mor de quem tinha sido a Ermida construída.
Preso por grossa cadeia a uma mó em “África, terra de infiéis” estava o mui ilustre e desconhecido Conde Alberto. Triste sina a sua, aviltado como fora por terras da mourama …
Não se conformava a família ….
Depois de sua filha e mulher terem pedido a intercessão divina através de Santa Susana, com tal convicção o fizeram, que repentinamente se encontraram o dito Conde e a mó carcereira naquele ermo. A um quarto de légua da vila de Palmela onde residiria. Terra da Ordem de Santiago …
Santiago, o Matamouros , obviamente …
Com facilidade em terras da sua terra natal se terá o aristocrático cativo visto livre da prisão.
Propagou-se a fama do prodígio e na ermida erguiam-se os altares . De Santa Susana, com o respectivo quadro.
São Brás (decerto não inocente nesta fuga) merecia lugar de relevo, com rica imagem dourada “com sua mitra e bago muito rico”
Tê-la-á oferecido a Infanta D. Isabel, Duquesa de Coimbra e esposa do malogrado Infante das Sete Partidas.
Um quadro com Santa Luzia num altar colateral fazia-lhes companhia, bem como outro com Nossa Senhora da Graça.
Segundo a tradição, não era raro esta última imagem inclinar a cabeça, numa manifestação do muito agrado que tinha pela libertação do Conde Alberto. Santa Barbara e Santa Apolónia também faziam sentir as suas presenças por imagens de madeira.
O altar principal sobressaía, revestido a azulejos.
Era a ermida tão minúscula que não pequeno milagre era apesar de tudo o seu recheio caber no diminuto quadrado que de início a constituía. Apesar de ter sido prolongada com paredes de alvenaria, continuava a ser de dimensões modestas.
E ainda lá se encontrava a mó vinda também miraculosamente de terras do Norte de África, juntamente com o Conde Alberto. Mó também ela prodigiosa. Bastava enfiar a cabeça no buraco, e dor de cabeça que existisse, era dor que desaparecia …
Muito melhor que as modernas aspirinas!
Tudo bem guardado, com portas de castanho fortes, fechadas a ferrolho. Tinham sido novas na época da Visitação de 1534. O Sr. Visitador até escrevera tudo isso nos Livros de Visitações da Ordem de Santiago.
Mas fora há tanto tempo …
Também é certo que ninguém se atreveria a tentar a entrada …
Havia cuidado com o ferrolho e a fresta que dava claridade à ermida era tão estreita! Posta do lado sul, deixava entrar boa luz, mas nem o luxo de uma vidraça ou sequer de um encerado existiam …
Anexo à ermida encontrava-se o também diminuto Hospital de São Brás e Santa Susana para acolhimento de “peregrinos e viajantes, mendigos, doentes e moribundos”. Apenas de cerca de 12 metros por 7.
Pouco dotado contudo para a recuperação dos que tinham a infelicidade de aí tombarem doentes na sua viagem. Fosse esta pela fé, por vagabundagem ou apenas má sorte.
Na esmagadora maioria esperava-os apenas a viagem derradeira. A que todos fazem …
A cobertura desse hospital era de telha vã. Oferecida por gentes da freguesia da Anunciada, de Setúbal. Da confraria. Sempre tinham sido devotos da ermida. E mais tinham oferecido, escrevia o Sr. Visitador no já longínquo ano de 1534.
Se tinham então ficado as velhas vigas da ermida, também em madeira de castanho, era porque estavam sãs. Foram pintadas de novo. Nada se poderia desaproveitar …
Quanto ao pequeno hospital, tinha sido feito de novo, de pedra e cal e do tamanho do anterior … Era muito antigo, pois.
Tudo bem ladrilhado, oferta dos de Setúbal … ermida, hospital, em tijolo tosco, que era sítio de devoção e não de luxo.
A maioria dos benfeitores, gente de Troino, principalmente pescadores da freguesia da Anunciada de Setúbal, também não era gente abonada. De fé, sim. Temente a Deus e temerosa da pirataria moura que fazia as suas incursões na orla de Setúbal.
Se lhes sucedesse o mesmo que ao Conde Alberto? Bem poderiam mulheres e filhos enfiar a cabeça no buraco da mó… que esta não se compadeceria.
Faltar-lhes-ia o pão …O de cada dia!
Mas os sucessivos ermitões, na sua guarda da ermida, tinham motivo para estarem felizes. Nem todos se poderiam ufanar das suas casas serem de alvenaria…
Em frente a Serra, a do Louro, era fonte de paixões de quem de perto a conhecia.
Assim se iria passar mais tarde com o Sr. Padre que narraria ao Sr. Marquês de Pombal do sítio e das suas maravilhas nas “Memórias Paroquiais”. Falaria da ermida e das plantas mágicas que cresciam na Serra …
Conhecia algumas a autora destas linhas. Pela juventude lá ia, a pedido da Avó, moradora na encosta, muito perto da ermida morta. Em quinta com o nome da ermida …
Ia buscar temperos, que eram muito diferentes as plantas acabadas de colher …
Uns orégãos, o louro, pouco mais. As pequenas orquídeas de cetim roxo e orla aveludada, rasteirinhas à greda do solo, distraíam-na. Não atraíam apenas descuidadas vespas e abelhas. Levadas ao engano, convictas que se trataria de amorosos parceiros da sua espécie…
Talvez por ali tivessem andado mulheres da sua família. De gerações que em muito a antecederam. Por tempos em que a ermida e o seu hospital ainda existiam.
Depois tudo ficara reduzido a uns restos esburacados de uma parede …
Todos desconheciam o que fora.
E ali, na ermida, até tinha casado a Ana, a filha mais velha do seu ancestral avô Veríssimo José. O que casara na Atalaia e nascera nas margens do Tejo, em Sacavém. Poucos anos antes do terramoto. Cujo avô vivera em terras do Marquês do Alegrete, por Monte Redondo…
Outros contos, também eles perdidos …
Era, pois, a Ermida de São Brás local eleito não apenas para luto e lágrimas, mas também para risos e festejos de casórios.
….
Como acontecia naquele dia 20 de Fevereiro de 1689, com o Sr. Ermitão.
Com autorização do Reverendo Vigário de Setúbal, Francisco Gonçalves, o Ermitão de São Brás iria casar-se com Maria da Conceição.
Dia de festa, claro!
Apenas uma pequena nota à nota constante da margem do seu assento de casamento: chamam-nos a atenção e a desconfiança as palavras aí escritas.
Desconfiança de desconfianças do Sr. Pároco…
Asseste-se o olhar, apure-se a vista e descobrir-se-á o porquê: imediatamente a seguir ao nome do nubente, existe um aposto (ou continuado – e que “continuação”!). No qual se encontra escrito :
- “viúvo de quatro mulheres”. QUATRO!!
Será que as tão apreciadas ervas “mágicas” da Serra teriam outros efeitos que não os da cura … (??!)
Ter-se-ia equivocado o Sr. Pároco das “Memórias Paroquiais”?
Que diria o Sr. Marquês de Pombal, se de tal soubesse?
Para mais era o Marquês frequentador da zona da Arrábida. Não muitos quilómetros adiante, existiria uma quinta (a de São Payo), por ele oferecida à sua filha mais velha …
Mas tal iria acontecer muito depois, décadas após o quinto casamento de Francisco Gonçalves.
……
Vai um chàzinho com o Sr. Ermitão de São Brás?
(Março de 2021)




BIBLIOGRAFIA :
- “As Igrejas da Ordem Militar de Santiago. Arquitectura e Materiais”. Tese de Doutoramento em História da Arte Portuguesa (Mário Raul de Sousa Cunha)
- “Memórias Paroquiais”. Palmela.

16 de março de 2020

16 de março de 2020 por Manuela Alves comentários
Publicado anteriormente em 18/12/2018

A origem do nome Corpo da Guarda na toponímia do Porto

A genealogia documentada leva-nos muitas vezes a desmontar estórias de família mal contadas ou esbatidas pelo tempo ou fantasiadas, mas também pode levar ao esclarecimento de mitos ligados à toponímia dos espaços percorridos por gerações que nos antecederam... e que hoje cairam no esquecimento ou que são desconhecidos da gerações que nos seguem... E o que nos falta em erudição, sobra-nos no afinco com que buscamos reconstituir a vida passada da nossa gente em todas as suas vertentes, transformando essas memórias numa memóra de afectos que nos ligam a esse passado familiar.



É este o caso do local, hoje desaparecido, onde eu nasci a casa dos meus bisavós maternos, no Porto, no então denominado Largo da Cividade ou Largo do Corpo da Guarda, 32.

A actual Avenida de D. Afonso Henriques foi rasgada na década de 50 do século XX a fim de estabelecer a ligação da zona da estação de S. Bento ao tabuleiro superior da Ponte de Luís I e isso implicou a demolição dos prédios situados nos quarteirões que aquela veio a atravessar.

A adopção da denominação de Calçada do Corpo da Guarda substituindo a denominação de Calçada da Relação Velha( e antes disso Calçada da Relação) e do largo do mesmo nome – teria ocorrido já no século XIX, e derivaria do facto de para aí se ter transferido, ainda antes do Cerco do Porto, o Corpo da Guarda Real da Polícia do Porto, que anteriormente se encontrava instalado no edifício da Real Casa Pia de Correcção e de Educação. É esta explicação dada por Cunha Freitas na sua obra sobre a toponímia portuense, que tem vindo a ser repetida por muitos que se debruçam sobre estas questões. Ora esta referência ao Terreiro do Corpo da Guarda nas Décimas de 1704 e 1705, publicadas on line pelo Arquivo Histórico Municipal do Porto invalida a justificação tradicional acima referida.


Mas podemos recuar mais : data de 14 de Janeiro de 1615 o emprazamento pelo Senado da Câmara de “huma moradia de casas na Rua do Corpo da Guarda, junto da Travessa do Forno que vai para a rua Escura e ao canto da Calçada [ …] pelo foro de 35 réis a Francisco Pereira” (Fonte : Prazos Livro 3, Fol. 245)
Mas ainda me resta para descobrir a origem do magnifico azulejo (primeira imagem), hoje guardado no Banco de Materiais da C.M.P. e proveniente de uma casa demolida no Corpo da Guarda, bem como os anteriores ocupantes da Casa do Largo. Será que consigo?

Se ainda não tive ocasião de averiguar a origem do azulejo, dois factos posso acrescentar:
Foi o Mestre João António Correia,  autor de Negro, obra exposta no Museu Nacional Soares dos Reis e primo direito de minha tetravó materna, o anterior ocupante da Casa do Largo. Aí faleceu solteiro em 1898;
o último andar da casa onde avultam umas janelas, destoando do resto do edifício, foi a "mansarda" mandada construir em 1908 por Francisco José Júlio dos Santos, meu trisavô, conforme  consta da respectiva planta.

kwADPorto

13 de outubro de 2018

13 de outubro de 2018 por Maria do Céu Barros comentários

Por Filipe Pinheiro de Campos

Um pai republicano - quase sempre detido pelas ideias revolucionárias -, casado com uma senhora de boas gentes, piedosa e devota, e ele, formado em Coimbra e grande proprietário num concelho do distrito de Santarém, teve quatro filhos. Possivelmente - dizia a minha avó com alguma malícia - nascidos de todas as vezes que o pai teria estado em liberdade, ao que o dito progenitor colocou nomes numa base onomástica claramente republicana. 


A minha bisavó, as tias e as ditas senhoras


A primeira, de nome Liberdade, viria a casar, mas esse enlace cedo se revelou atribulado com frequentes traições do marido; a segunda, por nome Pátria, morreu solteira e quase centenária; a terceira, Democracia, acabou os dias da sua vida num hospital psiquiátrico. O único varão, por nome Portugal, foi exilado político. 

Amigas de colégio e de adultas de minha bisavó paterna, nasceram por volta da década de 90 de Oitocentos tendo eu apenas conhecido a D. Pátria, muito velhinha, encurvada e debilitada mas onde existia algum bom humor.

11 de outubro de 2018

11 de outubro de 2018 por Manuela Alves comentários

Entre as brumas do Passado, uma ascendência inesperada se perspectiva… satisfatoriamente documentada.

Retomemos a genealogia que descobrimos na mensagem anterior, a partir de LUÍS MACHADO DE MIRANDA E CUNHA. com uma breve nota sobre os meus décimos avós.
 

por Manuela Alves comentários
Há cerca de um ano fui confrontada com um surpreendente volte-face na minha genealogia, pelo lado paterno da minha Mãe, ao ler uma Inquirição de Genere de Bento Machado de Sá Miranda, de Vermoim, Famalicão, datada de 1731.

Logo nas primeira páginas caiu-me o coração aos pés quando li, preto no branco, que o habilitando era filho de António Machado Tinoco (primeira vez que vi os dois apelidos juntos) e neto paterno de Luís Machado de Miranda e Cunha, natural de Barcelos, residente em Figueiredo e de Catarina Tinoca, natural da Breia, Vermoim.

Há anos que eu tinha como “pai” de António Machado (simplesmente Machado) Luís Machado de Miranda, morador na Quinta da Breia, em Vermoim, e um genearca ( como o Carlos Silva apelida o seu parente João da Costa Azevedo, de Valmelhorado, Castelões também meu antepassado, por vias travessas) mas não das suas legítimas mulheres…

13 de abril de 2018

13 de abril de 2018 por Manuela Alves comentários

Por José Luís Espada Feyo

D. Doroteia Maria Rosa Brandão Ivo Pedegache, existiu na Lisboa do século XVIII e inspirou indelevelmente a criação da célebre Blimunda, personagem central do “Memorial do Convento” de José Saramago.
Tal conclusão está muito bem explicada e dissecada no ensaio literário “A mulher e utopia em José Saramago – a representação de Blimunda em Memorial do Convento”, da autoria de Burghard Baltrush, no qual tive a sorte de tropeçar.



Na obra “Descrição da Cidade de Lisboa”, publicada em 1730, o seu autor falava já detalhadamente de D. Doroteia Pedegache e de seus poderes sobrenaturais:

“uma rapariga portuguesa que nasceu com uns olhos que bem pode dizer-se de lince; possui desde a mais tenra idade o dom de ver no interior do corpo humano bem como nas entranhas da terra. Aparentemente os seus olhos são como os do comum dos mortais, apenas muito grandes e verdadeiramente belos. Ela vê no corpo humano os abcessos e outras incomodidades e muitas vezes fica indisposta por ver o corpo das pessoas atacadas de doenças venéreas. Ela vê a formação do quilo, sua distribuição e distingue a circulação do sangue. Nunca se engana, em mulheres grávidas de mais de sete meses, no sexo do fruto que trazem no seu ventre. A sua vista penetra a terra no lugar onde há nascentes que ela descobre a uma profundidade de trinta ou quarenta braças, sem recurso a vara; diz com precisão o curso da água, a profundidade a que se encontra a nascente e distingue as cores e variedade das camadas de terra que existem sob a superfície. Este dom maravilhoso só o usufrui enquanto está em jejum; contudo, já lhe aconteceu depois da sesta, ter momentos de visão mais penetrante do que de manhã e então ter visto nos corpos através dos trajos o que ordinariamente não descobria através da pele”.

Tais relatos ganharam eco além fronteiras quando em 1738 o viajante e escritor francês Charles Frédéric de Merveilleux a refere nas suas Mémoires, que foram depois traduzidas noutras línguas europeias:

“conseguia ver o corpo humano, bem como o dos animais por dentro e outrossim o interior da terra a uma grande profundidade. Existe em Lisboa e nos arredores um grande número de poços que foram abertos por indicação desta mulher, que garantia onde e a que profundidade se encontrava água abundante e sempre se verificou com exacta precisão qualquer das suas previsões. O mesmo direi em relação à faculdade que tem esta senhora de ver no corpo humano as obstruções que se formam nas partes nobres ofendidas quando as pessoas se desnudam na sua presença”.

Em 1777, os seus dons são objecto de estudo na Academia de Ciências de Paris e em 1817 a sua história é ainda apresentada como assunto de grande actualidade no Edimburgh Magazine.
Ao contrário de muitas outras pessoas, que gozavam de fama idêntica, e que por isso morreram nas fogueiras dos Autos de Fé, D. Doroteia Pedegache, curiosamente, nunca foi perseguida pelo Santo Ofício, o que em grande parte se explica pela sua elevada posição social. Seu marido, Pierre Baptiste Pedegache, nobre francês instalado em Lisboa, era dos mais abastados e influentes comerciantes e banqueiros da cidade, muito próximo do Rei, e toda a sua família vivia na esfera da corte - seu filho Miguel Tibério era Moço de Câmara de um dos Infantes e a Rainha Consorte madrinha de baptismo de um dos seus filhos.
A esse propósito se escreveu à época, dizendo-se: “El Rei e os homens entendidos estão convencidos que não há impostura nestas manifestações e tanto assim é que Sua Majestade lhe fez mercê, antes dela casar, do dom, que não é muito vulgar em Portugal, e do hábito de Cristo para seu marido”.

Conhecedor desta figura da Lisboa setecentista e da sua singular história, com a qual terá esbarrado nos minunciosos e aprofundados estudos de época que sempre antecediam os seus romances de cariz histórico, José Saramago inspirou-se nela para criar a famosa personagem, em tudo idêntica.

Todas as características de Blimunda, nos mais pequenos pormenores, foram assim bebidos nesta singular senhora - até na circunstância de D. Doroteia perder a sua "singular faculdade nas mudanças do quarto de lua", conforme consta no relato de 1730, à semelhança do que acontece no romance com a personagem - tudo devidamente comprovado no referido ensaio que citei supra, só diferindo no estrato social, onde Saramago optou por apresentá-la numa pessoa humilde do povo – porventura em razão das suas convicções ideológicas – ao contrário de D. Doroteia Pedegache, senhora de elevada posição social e económica.


9 de agosto de 2017

9 de agosto de 2017 por Manuela Alves comentários
Quando descobri, nos registos de casamento de 1851 da freguesia da Sé, o segundo casamento do pai da minha trisavó Ana Olinda de Lemos deparei-me com uma história familiar que me remeteu para o ano de 1833 e para um episódio vivido durante o Cerco do Porto.

Aguarela de Alfredo Roque Gameiro



Conta-nos Júlio Joaquim da Costa Rodrigues da Silva [1], que no dia 1.° de Janeiro de 1833 chegou à barra do Porto a expedição do general Solignac com o seu estado-maior e 200 belgas vindos de Ostende via Falmouth na Inglaterra. Estas zonas já tinham sido contaminadas pela epidemia de cólera e durante a viagem declararam-se a bordo casos da moléstia. Avisado o ministério e D. Pedro IV do que se passava, foi enviada uma ordem ao inspector de saúde do exército para inspeccionar o navio, informar de imediato o que encontrasse e proibir, se necessário, o desembarque. Inexplicavelmente este foi autorizado e realizou-se na Foz. Os doentes, transferidos para os hospitais militares do Porto, propagaram a doença para a população civil, a partir do bairro de St.° Ildefonso, onde viviam as lavadeiras dos referidos estabelecimentos.

As deficiências alimentares resultantes do cerco e as péssimas condições higiénicas ajudaram à progressão da epidemia que atingiu o máximo em meados de Fevereiro, mantendo-se estacionária nos meses de Março a ]unho, declinando rapidamente em ]ulho e extinguindo-se em Agosto. 

Numa população calculada em 80.000 habitantes terão morrido cerca de 3.261. A violência do surto epidémico parece ter surpreendido o governo liberal que inicialmente reagiu lentamente e com hesitação. É verdade que logo após a irrupção do surto de cólera e durante o cerco actuou drasticamente, apesar das dificuldades militares e da pobreza de recursos, estruturando os socorros públicos de ajuda à população. Para tal criou uma comissão de médicos em serviço permanente para aconselhar e pôr em execução medidas necessárias como: instalação de hospitais para os doentes, organização da assistência ao domicílio, limpeza das ruas, prisões e habitações, enfim tudo o que fosse urgente para exercer a vigilância sanitária. Não obstante, a eficácia demonstrada foi tardia e não explica o erro inicial. É possível que a situação crítica do ponto de vista militar tenha levado a autorizar o desembarque dos belgas com receio de que uma recusa tivesse efeitos negativos no recrutamento de tropas mercenárias na Europa. (…)[2]

A epidemia atingiu, pois, muitas famílias portuenses que viram falecer desta doença alguns dos seus membros. Assim aconteceu na minha.

Joana Rosa da Graça, minha 5ª avó materna, faleceu a 13  de Junho de 1833, vítima da cólera no hospital improvisado  de S. Pedro de Alcântara, estabelecido na Quinta do Monte de Santa Catarina e que fora pertença dos Frades da Congregação do Oratório. E não fosse o seu viúvo pretender casar de novo, eu teria ficado na ignorância de um história de família com o seu quê de singular, pelo menos aos meus olhos de hoje, já que no passado tal situação seria relativamente vulgar.
E com quem casa o meu 5º avô em 1851?
Com Joaquina Rosa da Graça, irmã mais velha da sua primeira mulher, e com quem tivera filhos desde Agosto de 1834, o que significa que iniciou este relacionamento logo após a morte da primeira mulher. Os filhos são legitimados na altura do casamento, conforme consta do respectivo registo:
Vítor Rodrigues Cardoso, nascido em 4.8.1834  e casado em Miragaia, em 1859;
Eduardo Rodrigues Cardoso de Lemos, nascido em  5.3.1836
José Joaquim da Graça Rodrigues Cardoso, nascido em 3.4.1837. casado em 1857 no Rio de Janeiro, onde era caixeiro, e aí falecido em 1868;
Cristina Augusta, nascida em 15.9.1838

Na participação do óbito de José Joaquim aparece ainda  um José Rodrigues Cardoso de Lemos, que não averiguei quem fosse...

Partilho aqui esta história familiar, menos pelo interesse que possa ter em si mesma para quem não é da família , mas porque a considerei interessante por outros dois motivos:

1º o saber não ocupa lugar e a minha gente  ( e não só...) ficará a saber um pouquinho mais...
2º em genealogia nunca a investigação está acabada... novos documentos poderão vir a enriquecer esta história...
3º os mais imaginativos poderão criar estórias - que até possam servir de "hipóteses" para que se tornem histórias!


[1] Lusíada. História. Lisboa. II Série, n.° 1 (2004) Imaginario Social das Epidemias em Portugal no Seculo XIX, p. 95-125
[2] É certo que os liberais não foram os únicos a errar neste quadro político e militar. O governo miguelista só muito tarde se apercebeu do perigo de contágio (…) que a capital corria devido aos contactos com Aveiro e outros portos da Europa já atingidos (…)Assim, assoberbado com a preeminência das acções militares, reagiu tardiamente acabando por organizar hospitais para os doentes de cólera e tomar medidas de emergência para travar a propagação da epidemia semelhantes às do Porto.Ver o artigo citado para a extensão da epidemia a outras regiões de Portugal.

kwADPorto

2 de maio de 2015

2 de maio de 2015 por GenealogiaFB comentários

Por José Luís Espada Feio

Revelo hoje as curiosas ligações entre a minha genealogia e a de Camilo Ferreira Botelho Castello-Branco, dos fantasiosos parentescos fictícios aos “ocultos” parentescos reais:

Antes de El-Rei D. Luís lhe conceder, já no final da sua vida, o título de Visconde de Correia Botelho que tanto ansiou, ficou célebre a “obsessão” de Camilo em tentar demonstrar que os seus ascendentes paternos provinham de uma linhagem antiga, com foros de fidalguia desde tempos remotos.
Nessa senda, dizia-se 13 º neto do meu avoengo Rodrigo Afonso Pimentel e descendente de todos os Pimentéis antigos até ao século XIII, dos quais descendo por via do costado do meu avô materno.
Se assim fosse, teria, desse modo, um parentesco com Camilo por via de um avô comum neste ramo. Contudo, conforme demonstram todos os estudos realizados sobre a sua genealogia, esta ascendência dos Pimentéis não passou de uma criação fantasiosa do escritor, sem qualquer fundo de veracidade.
No entanto, gorado este parentesco pela desconstrução da ascendência fantasiosa de Camilo, vim a encontrar efectivamente um avô comum num dos seus costados maternos (costado da minha avó paterna, no que concerne à minha ascendência):


Durante décadas, a família paterna de Camilo Castello-Branco, e o próprio também, em certa medida, tentaram por diversos meios esconder as origens familiares da mãe do escritor. Com efeito, Camilo foi fruto da relação extra-conjugal de seu pai com Jacinta Rosa do Espírito Santo, nascida na vila de Sesimbra em 22 de Novembro de 1799 e oriunda de famílias de condição humilde, motivo pelo qual os Correia Botelho Castello-Branco, muito ciosos da sua condição social, sempre a quiseram ocultar.
É, pois, nesta linha de sucessão que localizei o meu parentesco com Camilo Ferreira Botelho Castello-Branco, cujo 8º avô deste ramo é o meu 11º avô Francisco Pretto, natural da vila de Sesimbra, Capitão-Mor das Naus das índias e Mares de Bengala por Mercê de El-Rei D. Sebastião.
No entanto, não obstante a família de mãe de Camilo ter efectivamente uma condição humilde à época do nascimento do escritor, desconheciam todos que a avó materna de Jacinta Rosa do Espírito, Ana Pretto Vaz, era descendente de ilustres mareantes do tempo das Descobertas. (O meu 12º avô Pedro Gomes Pretto, 9º avô de Camilo, foi feito fidalgo da Casa de El-Rei D. Manuel com o foro de Moço de Câmara em 1519. O meu 13º avô Gomes Pretto «O Velho», 10º avô de Camilo, recebeu Carta de Privilégio de D. Afonso V, posteriormente confirmada por D. João II).

O que não dariam os “elitistas” Correia Botelho Castello-Branco, com o próprio Camilo à cabeça, sempre tão preocupados em firmar fantasiosas ascendências nos antigos Pimentéis, para saberem, qual ironia do destino, que a “plebeia” Jacinta Rosa que tentavam a todo o custo “apagar” era afinal descendente de antigos fidalgos e Cavaleiros da Casa Real, caídos no esquecimento por via da decadência da epopeia da expansão marítima que séculos antes os havia feito ascender à fidalguia.

Estes curiosos elementos que aqui descrevo sumariamente estão devidamente aprofundados e estudados no fantástico «Processo Genealógico de Camillo Castello-Branco», da autoria de José de Campos e Sousa, um dos mais conceituados genealogistas da primeira metade do século passado.
O exemplar que aqui mostro e que conservo com estima, foi oferecido em mão pelo autor ao meu avô materno em 1946, devidamente autografado e acompanhado de uma pequena nota onde faz alusão ao costado sesimbrense de Camilo Castello-Branco.

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