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14 de julho de 2019

14 de julho de 2019 por Manuela Alves comentários
Memórias genealógicas, um trovador perpetuando uma memória portuense e uma dedicatória à dinâmica Rosário, que dirige a Biblioteca dos Assuntos Portuenses no AHMP e que de cuja amizade granjeada nos trabalhos no “nosso” Arquivo me honro - eis as razões para  este post.
Já tinha concluído há muito, o capítulo das minhas escrevinhices genealógicas dedicado aos Briteiros, meus avoengos trovadores paternos, quando no decorrer das investigações actuais, fui surpreendida pela existência de um pequeno cantar de índole trovadoresca relacionado com um deles e referências ao meu berço geográfico. Daqui foi um pulo até aos “domínios” da minha amiga Rosário a ver o que me trariam os artigos de O Tripeiro pela pena de José Carlos Ribeiro Miranda, professor da Faculdade de Letras da U.P.

E eu, cujos antepassados esgotaram a veia poética, nem me restando sequer uma gotinha de inspiração para alinhavar uma quadra para um mangerico de S. João, mas apenas uma admiração incondicional para os trovadores dos anos 60[1], limito-me a partilhar convosco a síntese de um artigo, publicado na revista “O Tripeiro” nº 6/7 (1995), p. 197-200, acrescentados com pequenas notas interpretativas.

Pois nom hei de Dona Elvira[2]
seu amor e hei sa ira,
esto farei, sem mentira:
pois me vou de Santa Vaia[3],
morarei cabo da Maia[4],
em Doiro, antr'o Porto e Gaia.
Se crevess'eu Martim Sira,
nunca m'eu dali partira
d'u m'el disse que a vira:
em Sam [J]oan'e em saia.
Morarei cabo da Maia,
em Doiro, antr'o Porto e Gaia.

Inicialmente atribuída por Carolina Michaëlis, embora com reservas, a Rui Gomes de Briteiros, meu 20º avô, foi depois atribuída a Martim Soares, autor de uma cantiga de escárnio,  Pois bõas donas som desemparadas, em que censura o “rapto” protagonizado pelo infanção Rui Gomes de Briteiros de uma neta do Conde D. Mem Gonçalves de Sousa, o Sousão, como forma de ascensão social. Mais recentemente foi revisitada como uma cantiga de amor, com características menos usuais e da autoria de Rui Gomes de Briteiros[5].

Diz Ribeiro Miranda no artigo de O Tripeiro :

Trata-se de um texto em que o enunciado é assumido por uma voz masculina, declarando a intenção de proceder a uma acção que visa propiciar o favor de uma mulher - Dona Elvira - que adoptara até então uma atitude hostil às iniciativas desse mesmo sujeito masculino. Esta acção em perspectiva que recebe a caução de uma terceira personagem - Martim Sira - que entretanto a aconselhara traduz-se na ideia expressa no refrão Morarei cabo da Maia,/em Doiro, antr'o Porto e Gaia.

E conclui, e com ele, eu também: 

Se é verdade que o cantar dos trovadores veio a consagrar por intermédio da linguagem da vassalagem amorosa uma conservador atitude de aceitação dos princípios do serviço vassálico e, sobretudo de resignação dos mais jovens perante a dificuldade da Imposição social por via do casamento hipergâmico*, tal não significa que a própria cultura trovadoresca não tenha sido capaz de dar forma a atitudes completamente opostas fossem elas no plano da idealidade, fossem na transposição literária de casos e situações do domínio concreto. Este texto é disso exemplo paradigmático. Embora o nosso trovador manobrasse também com destreza os modelos retóricos e temáticos da vassalagem de amor […] a sua opção é agora diversa porque bem diferente parece ser a sua atitude ao fixar a atenção no mundo feminino. Afinal estamos para por genuíno cantar de amor ao qual, no plano da realidade, venha corresponder um rapto, como se entre a ficção literária E essa mesma realidade houvesse uma insuspeitada continuidade narrativa.


[1] Ver a versão integral do poema escrito em 1963 e incluído no livro _Praça da Canção (1965) escrito por Manuel Alegre . A versão cantada por Adriano Correia de Oliveira é musicada por António Portugal aqui
[2] Elvira Anes da Maia (ou de Sousa) - uma das netas do poderoso Conde D. Mem Gonçalves de Sousa, o Sousão. Nascida por volta de 1210, e desde 1226 à guarda da linhagem materna por morte do pai, terá sido raptada por Rui Gomes de Briteiros, talvez em 1230, com ele casando e dele tendo tido sete filhos. Leontina Ventura e Resende de Oliveira desconfiam da efectividade deste "rapto", que não é referido no Livro Velho, que refere apenas o casamento), mas apenas pelos dois seguintes (o Livro do Deão e o do Conde D. Pedro).
[3] Existia uma igreja de Santa Ovaia de Arouca, para além de duas povoações chamadas Santa Ovaia no distrito de Viseu, uma perto de Tondela e outra perto de Oliveira do Hospital
[4] Maia era o território do pai de D. Elvira, João Peres da Maia
[5] António Resende de Oliveira e José Carlos Ribeiro Miranda, Dois estudos trovadorescos, Porto, 1993.

* Nota minha: Hipergamia é um termo usado em Sociologia, para o acto ou prática de uma pessoa de uma determinada condição social se casar com outra de condição social superior.




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