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8 de abril de 2015

8 de abril de 2015 por Manuela Alves comentários
FONTE:

Donald Ramos,  Do Minho a Minas Ensaio,  Revista do Arquivo Público Mineiro,  Junho 2008

Este estudo tem como propósito explorar um contexto histórico específico por meio do exame dos antecedentes portugueses do tipo de família que se desenvolveu em Minas Gerais, região central da exploração do ouro no Brasil, durante o século XVIII.




Ele também está fundamentado em três questões centrais: (1) a família portuguesa não era uniforme, sendo marcada por variações regionais distintas; (2) os imigrantes que vieram para Minas Gerais eram oriundos, principalmente, do norte de Portugal, uma região socialmente distinta; e (3) a natureza e estrutura da família do norte de Portugal eram bastante similares às encontradas em Minas Gerais durante o século XVIII e início de século XIX. O trabalho sugere ainda que tais similaridades podem ser explicadas por meio da predominância da imigração norte-portuguesa para a região aurífera de Minas Gerais, a qual tinha, num sentido amplo, características econômicas semelhantes às do norte de Portugal. […] 


É extraordinariamente difícil obter informações relativas à imigração de Portugal. Embora o sistema de passaporte tivesse sido instituído em Portugal em 1720, num esforço para restringir o número de nacionais que viajavam ao Brasil, fica claro que essa e outras regras restritivas foram largamente desobedecidas, uma vez que milhares de portugueses chegaram aos portos do Brasil em busca de fortuna.  Não obstante, é possível  se ter uma idéia da natureza dessa imigração a partir de amostragens de registros paroquiais e notariais para determinar quem chegou. Obviamente, essa é uma maneira inadequada de se contar o número de pessoas que saiu de Portugal, mas é um método que permite localizar as regiões de onde se partiu.

Para se obter uma amostra qualitativa dos padrões migratórios, as seguintes fontes foram pesquisadas:registros paroquiais de casamentos e testamentos, e processos da Inquisição. Apesar da diversidade, todas as três fontes levaram a conclusões bastante similares – o que empresta credibilidade às conclusões. […]

Essas fontes vêm corroborar a crença, comum no próprio século XVIII, de que o norte era a fonte de emigrantes para as regiões mineradoras do Brasil. A lei portuguesa de 20 de março de 1720, que em vão obrigou o uso do passaporte, especialmente no Minho, mencionou: “[anteriormente] tendo sido o mais povoado, hoje é um estado no qual não há pessoas suficientes para cultivar a terra ou prover para os habitantes.”[1] A notícia das  minas de ouro brasileiras atraíu tantos milhares de homens do norte que tornou a emigração, antes de tudo, uma válvula de escape, uma ameaça temporária à economia das regiões de origem.

A migração parece ser um aspecto comum da vida no século XVIII, tanto em Portugal como na sua colônia brasileira. O exemplo de João Teixeira, preso em 1765 por bigamia, é típico:



Ele nunca saíra dos domínios de Portugal e nele havia vivido em Porto Formoso, sua terra natal, e na cidade de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, de onde ele veio para esta cidade de Lisboa, onde viveu por três anos, daqui embarcando para Pernambuco, capitania na qual residiu na cidade de Olinda e nas cidades de Santo Antonio de Olinda, Jaguaripe, Rio Fermozo, Agoa Petuda, e Goyana, e passando por muitas outras terras.[2]



Em outro exemplo, João Rodrigues Mesquita, que recebeu sentença de prisão por praticar o judaísmo,

nasceu em Vinhais. A linguagem usada para descrever os lugares onde residiu indica a ligação ininterrupta de imigrantes, muito viajados, com sua terra natal.

Mesquita registrou que “sempre” havia morado em Vinhais – exceto por 12 anos e meio em que viveuem Viana do Castelo e, de passagem, em Braga e em “alguns outros locais na província do Minho”.  Ele, casualmente, relatou que no Brasil residira em Vila Rica, Guarapiranga e Tejuco, onde a família foi presa.[3] O que impressiona sobre Mesquita é que ele fez tudo isso antes dos 34 anos, idade em que foi preso. Ou seja, ele passou mais de um terço de sua vida fora de seu local de nascimento, mas em sua mente “sempre” residira lá. Mesquita, como é possível perceber, estava longe de ser um caso isolado.

Ao contrário, é extremamente difícil encontrar nesses registros uma pessoa que não tenha vivido fora de seu local de origem.

Essa mobilidade espacial não era restrita aos portugueses. Os perseguidos pela Inquisição, nascidos no Brasil, demonstraram a mesma tendência à mobilidade. […] O que surpreende o leitor desses relatos é o fato de os residentes de Portugal e suas colônias, no século XVIII, encararem a viagem como algo natural. […]

Esse contínuo e complexo padrão de imigração e migração interna é relevante para a questão da formação da família e para a configuração social do casamento.

A contínua emigração de Portugal, especialmente do norte, teve o efeito de impor, e, ao mesmo tempo,reforçar um conjunto de valores específicos sobre o ethos social de Minas Gerais. Esse mecanismo funcionou de forma semelhante à contribuição cultural que os escravos africanos trouxeram ao Brasil, especialmente em cidades como Salvador. […]

Contemplada como um todo, a sociedade mineira surge com o mesmo conjunto de características sociais do norte de Portugal. Esse universo engloba predominância demográfica de mulheres livres, uma grande proporção de famílias chefiadas por mulheres, baixas taxas de casamento, idade ao se casar mais tardia que o esperado,  uma tendência entre as mulheres solteiras de estabelecerem em domicílios independentes, altas taxas de ilegitimidade e abandono infantil e baixas proporções de famílias nucleares sacramentadas pelo matrimônio. Os mesmos indicadores também são encontrados no Minho e no Douro.

O argumento central deste estudo é de que os emigrantes portugueses que vieram para Minas Gerais eram, em sua maioria, originários do norte de Portugal, onde a estrutura familiar e domiciliar diferia das outras partes do reino.

Esses emigrantes trouxeram para Minas Gerais um conjunto  particular de valores sociais e culturais que, no ambiente social e cultural mineiro, apesar das diferenças superficiais, era muito semelhante ao que haviam deixado para trás.



[1] Lei  de  20  de  março  de  1720,  mencionada  em  HIGGS,  David. Portuguese Migration Before 1800. In: HIGGS (Ed.). Portuguese Migration in Global Perspective..., p. 18
[2] ANTT,  Inquisição  de  Lisboa,  9690,  João  Teixeira,  1765.
[3] ANTT, Inquisição de Lisboa, 8018, João Rodrigues Mesquita, 1735



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